O Globo, n. 32701, 17/02/2023. Economia, p. 14

Fazenda mostra a Lula que meta de inflação não é a causa do juro alto

Alvaro Gribel
Fernanda Trisotto


Um estudo elaborado pela Secretaria de Política Econômica (SPE), ligada ao Ministério da Fazenda, mostrou ao presidente Lula que a meta de inflação no país não é a principal causa para os juros elevados. A ideia da Fazenda é convencer o presidente de que o melhor caminho para se conseguir a redução da Taxa Selic —atualmente em 13,75% ao ano e considerada exorbitante pela equipe econômica —não é focar esforços no aumento da meta de inflação.

Lula, segundo interlocutores do governo, teria se impressionado com os dados e isso quer dizer que pode atenuar as críticas às metas de inflação. Ontem mesmo, em entrevista à CNN, o presidente não tocou no assunto, apesar de ter questionado o mercado e a autonomia do Banco Central.

Os números que mexeram com a cabeça do presidente estão na tabela ao lado. Em uma lista de países emergentes e desenvolvidos há metas de inflação mais baixas do que as do Brasil e ainda assim os nossos juros reais são muito mais elevados, na casa dos 8%. “Não é aumentando a meta que os juros vão cair, nem reduzindo a meta que a inflação também ficará menor. Isso parece claro nesses dados”, afirmou um técnico da equipe econômica.

CMN: reunião de 28 minutos

De 2005 a 2018, as metas de inflação no Brasil foram definidas em 4,5%. De 2019 para cá, no entanto, elas vem caindo progressivamente e no ano que vem chegarão a 3%. Lula continua achando que os números estão baixos demais e isso foi reforçado pela fala de três pesos-pesados do mercado financeiro, em evento do banco BTG esta semana, em São Paulo. Mas, por ora, o presidente se convenceu de que essa não é a principal explicação para os juros no Brasil.

Ontem, a aguardada reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) foi rápida e não incluiu na pauta uma mudança nas metas. O encontro durou apenas 28 minutos, começou às 15h18 e foi encerrado às 15h46. Além do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, da ministra do Planejamento, Simone Tebet, e do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, técnicos do BC e dos ministérios participaram da reunião.

A reunião curta, no entanto, não foi o único compromisso entre Campos Neto, Haddad e Tebet ontem. O trio teve um almoço reservado em Brasília. Eles permaneceram juntos por mais de duas horas, sem a presença de técnicos ou assessores.

O grande temor do Banco Central é que o aumento da meta de inflação tenha um efeito imediato sobre as expectativas. Elas ficariam mais altas e levariam a um aperto ainda maior da Selic. Por isso, Campos Neto tem dito que o efeito pode ser “o contrário do esperado” pelo presidente Lula.

Outro ponto que chamou a atenção do presidente Lula nos dados da SPE foi a informação de que apenas Brasil e Turquia utilizam metas de inflação tendo como referência o ano-calendário. Isso obriga o Banco Central a levar a inflação à meta obrigatoriamente no mês de dezembro de cada ano. Do contrário, a autoridade monetária é obrigada a elaborar uma carta à Fazenda para dar explicações. A ideia é que seja debatida a possibilidade de alteração do cumprimento da meta “no horizonte relevante”, ou seja, sem um mês definido.

Arcabouço fiscal

O estudo da SPE mostrou o Brasil relativamente em linha com outros países em vários indicadores: taxa de inflação corrente, desvio da meta, reservas cambiais, risco-país e endividamento bruto. Por isso, permanece a ideia no Executivo de que não faz sentido o BC continuar mantendo a Selic em 13,75%. A pressão sobre Campos Neto deve continuar, principalmente por políticos do PT e integrantes da base.

Na visão do BC, a principal aposta para a redução dos juros está na apresentação do novo arcabouço fiscal, antecipado para março pelo ministro Haddad, e na reforma tributária. Esses dois projetos podem dar a confiança aos diretores do Copom para começar a cortar a Selic este ano.

Após a reunião de ontem, o CMN informou que avaliou a prestação de contas do Banco Central, que em 2022 apresentou resultado negativo de R$ 298,5 bilhões. Esse resultado é reflexo do prejuízo com operações com reservas e derivativos cambiais, que fecharam 2022 com desempenho negativo de R$ 326,5 bilhões. As demais operações somaram R$ 28 bilhões.