O Estado de São Paulo, n. 46776, 11/11/2021. Política p.A10

 

Moro adota discurso de presidenciável, cita força-tarefa contra a pobreza e busca 3ª via

 

MARCELO DE MORAES

LAURIBERTO POMPEU

 

Com discurso de candidato ao Palácio do Planalto, o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro assinou ontem a ficha de filiação ao Podemos com críticas ao PT e ao governo de Jair Bolsonaro e se apresentou como a principal opção da terceira via na disputa de 2022. Ao abandonar a promessa de jamais entrar na política, o ex-juiz da Lava Jato tentou dar um verniz social à sua plataforma e disse que sua meta é criar uma nova força-tarefa, desta vez para erradicar a pobreza.

“Chega de corrupção, chega de mensalão, chega de petrolão, chega de rachadinha, chega de orçamento secreto”, disse Moro no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, numa referência a escândalos que marcaram os governos do PT e de Bolsonaro. “Chega de querer levar vantagem em tudo e enganar o povo brasileiro.”

Diante de uma plateia formada em sua maioria por políticos, muitos dos quais rompidos com Bolsonaro – como os ex-ministros Luiz Henrique Mandetta (Saúde) e Carlos Alberto dos Santos Cruz (Secretaria de Governo) –, Moro apresentou diretrizes genéricas de um programa que vai além do enfrentamento da corrupção. Acenou ao mercado, à imprensa e às Forças Armadas, defendeu reformas, principalmente a tributária, pregou a privatização de estatais ineficientes e o combate à inflação. Foi um pronunciamento sob medida para se aproximar dos eleitores de Bolsonaro.

 

SOCIAL. Após dizer que foi “boicotado” no governo Bolsonaro e deixou a equipe porque “nenhum cargo vale a alma de uma pessoa”, o ex-ministro afirmou que o País precisa muito mais do que programas como Bolsa Família, lançado na gestão do ex-presidente Luiz Inácio

Lula da Silva, e Auxílio Brasil, anunciado por Bolsonaro. Moro retornou ao Brasil recentemente, após um ano trabalhando na consultoria Alvarez & Marsal, nos Estados Unidos.

“Esse não é um projeto pessoal de poder, mas, sim, um projeto de país. Nunca tive ambições políticas, quero apenas ajudar. Se, para tanto, for necessário assumir a liderança nesse projeto, meu nome sempre estará à disposição do povo brasileiro”, afirmou Moro. “Não fugirei dessa luta, embora saiba que será difícil.”

Pesquisa da Genial/quaest divulgada ontem mostrou o exministro em terceiro lugar na corrida para 2022, com 8% das intenções de voto, despontando como potencial nome da terceira via na polarização entre Bolsonaro e Lula. Moro aparece empatado, na margem de erro, com o pré-candidato do PDT, Ciro Gomes, que registra 7%. Bolsonaro tem 21% e Lula, 48%.

 

CAMPO. Atualmente, o campo da terceira via está congestionado e apresenta outros dez nomes, incluindo os três tucanos que vão disputar as prévias do PSDB para escolha do candidato, no próximo dia 21 – os governadores João Doria (SP) e Eduardo Leite (RS) e o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio. A entrada de Moro nesse páreo divide os partidos e não são poucos os que veem com desconfiança a aproximação de ex-integrantes da Lava Jato, como o ex-coordenador da forçatarefa de Curitiba, Deltan Dallagnol, com o mundo político.

“A candidatura de Moro só vai agravar sua crise de identidade. Ele vivia disfarçado de juiz e agora quer se disfarçar de político para resolver suas enormes contradições. Nenhuma das vestes lhe cabe”, provocou Ciro. O senador Cid Gomes (PDT-CE), irmão dele, foi na mesma linha. “Se tem mais gente para dividir, é claro que isso atrapalha e faz o jogo do Bolsonaro.”

 

PERFIL. O presidente do PSD, Gilberto Kassab, descartou de antemão uma aliança com Moro. “Eu acho que o perfil vencedor será aquele que representar a união do País, a pacificação, o compromisso com a solução dos problemas da saúde, em especial com essa questão da pandemia, e a melhoria na educação pública”, afirmou Kassab, que defende a candidatura do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Em junho, o Supremo Tribunal Federal considerou Moro parcial no julgamento de Lula sobre o triplex do Guarujá. A suspeição do ex-juiz se estendeu depois para outros casos. Antes, a Corte já havia anulado as condenações do petista. No ato de filiação ao Podemos, o ex-ministro não abordou diretamente o assunto, mas defendeu o legado da Lava Jato.

 

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Partido Liberal marca evento de filiação de Bolsonaro para o dia 22

 

O presidente Jair Bolsonaro vai assinar sua filiação ao Partido Liberal (PL) no próximo dia 22, em evento que será realizado em Brasília, segundo o partido. Ontem, Bolsonaro se reuniu com o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, no Palácio do Planalto, e ficou decidida a data.

A escolha do dia 22 foi negociada pela cúpula do PL pelo caráter simbólico, já que 22 é o número da sigla na urna eletrônica. Este será o nono partido de Bolsonaro desde que ele ingressou na política.

O senador Flávio Bolsonaro (RJ) também deve migrar para o PL. O filho mais velho do presidente, que participou da reunião no Planalto, ontem, com Valdemar Costa Neto, pretende pedir sua desfiliação do Patriota nos próximos dias./ L.P. e EDUARDO GAYER

 

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Bem diferente da Lava Jato

 

ANÁLISE: RUBENS FIGUEIREDO

 

O Sérgio Moro que discursou na cerimônia de filiação ao Podemos é bem diferente do Moro do auge da Lava Jato. Entre um momento e outro, alguns acontecimentos marcantes. As divulgações do site Intercept, mostrando o ex-juiz combinando com procuradores as estratégias do processo, a passagem pouco edificante pelo governo Bolsonaro e a decisão do Supremo que anulou as condenações de Lula.

Moro entra na disputa mais fraco do que nos seus melhores momentos, mas ainda a ponto de ter um nível de intenção de voto que o coloca na disputa pelo terceiro lugar. Resta saber o que o espera daqui para a frente.

A candidatura Moro deixa Lula, seu prisioneiro preferido, ainda mais forte. Além de não agregar os candidatos da chamada “terceira via” caso vá para o segundo turno, o ex-juiz pode dividir votos com Bolsonaro no segmento mais escolarizado e de mais renda, que tem preocupação mais acentuada com a corrupção. Mas o discurso contra a impunidade fica longe de empolgar os mais pobres, mais preocupados com o preço do feijão do que com as práticas ilícitas de políticos mal-intencionados.

 

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Caminho contra polarização

 

ANÁLISE: MARIA CRISTINA PINOTTI

 

Partindo de um diagnóstico preciso sobre a situação institucional, social e econômica do País, Sérgio Moro, em seu discurso de filiação, faz uma síntese interessante de propostas caras à direita e à esquerda, pavimentando um caminho promissor para a aglutinação de forças da terceira via em torno de um projeto para tirar o Brasil do círculo vicioso de estagnação econômica, pobreza e desigualdade.

Junto com a defesa das reformas prioritárias, como a tributária, a privatização, a abertura da economia, necessárias para aumentar a eficiência, enfatiza a premência de um programa nacional de erradicação da pobreza absoluta e de melhoria na qualidade da educação. Reafirma, em boa hora, a necessidade do compromisso com a responsabilidade fiscal para sairmos da armadilha dos aumentos de risco, inflação e juros.

Corretamente aponta que as reformas necessárias empacam no Congresso, ou de lá saem mutiladas, por ferirem interesses de grupos ou indivíduos, sem que o interesse público seja levado em conta.

A história mostra que a qualidade das instituições determina o grau de desenvolvimento – e de corrupção – dos países. Ao apontar para esse fato, Moro traz ao debate um assunto crucial.