Título: Aliança reeditada substitui ONGs
Autor: Sérgio Pardellas
Fonte: Jornal do Brasil, 08/11/2004, País, p. A3

OAB e CNBB voltam a atuar em parceria para preencher lacuna deixada por organizações que passaram a integrar governo

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em parceria reeditada, passaram, este ano, a preencher uma lacuna deixada por organizações não-governamentais, sobretudo as ligadas a áreas sociais, hoje alinhadas ao governo Lula. O enfraquecimento da atuação das ONGs é visto como motivo para que as ações comuns às duas entidades fossem ampliadas, com participação em matérias do Executivo e do Legislativo.

Ao ocuparem espaço na estrutura administrativa federal, as ONGs perderam a autonomia, avaliam OAB e CNBB. Aliada histórica do PT, atualmente a CNBB, em reuniões internas, tem demonstrado insatisfação com a condução do governo federal.

- O PT era o partido que trabalhava em defesa da sociedade civil. Ao chegar ao poder, perdeu essa característica e enfraqueceu a luta. A orientação da Comissão Pastoral da Terra (CPT) é que se dê preferência à luta na sociedade em vez de embarcar nos quadros governamentais - diz Dom Tomás Balduíno, presidente da CPT, braço agrário da igreja católica no Brasil.

Em abril deste ano, dois meses depois de assumir a presidência nacional da OAB, Roberto Busato, numa iniciativa inédita, participava em Itaici, município de Indaiatuba (SP), da 42ª Assembléia Geral dos Bispos do Brasil. No encontro, Busato articulou com o presidente da CNBB, dom Geraldo Majella Agnelo, uma estratégia de ação conjunta para o combate à violência no Rio de Janeiro. Reproduzia-se ali uma auspiciosa aliança consagrada nos tempos da ditadura militar quando, juntas, CNBB e OAB - representada por Raymundo Faoro - se uniram contra a tortura, pela anistia aos exilados políticos e resgate do hábeas corpus.

A Assembléia em Itaici foi um novo marco no relacionamento entre as duas entidades e, desde então, as parcerias e pronunciamentos em conjunto tornaram-se cada vez mais freqüentes.

Hoje, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil vai examinar a melhor forma de encaminhamento judicial de uma ação obrigando o Congresso a instalar uma comissão para realizar auditoria da dívida externa brasileira. A iniciativa contará com o respaldo da CNBB, que já discutiu o tema por meio da Pastoral Social.

No dia 15, data em que se comemoram os 115 anos da Proclamação da República, as duas entidades voltam a se unir em torno de um mesmo objetivo na capital carioca. O Rio será palco da abertura do movimento nacional em defesa da República e da democracia. A campanha tem como objetivo reforçar o papel da participação popular nas decisões nacionais.

Durante o lançamento, a OAB e a CNBB vão propor um projeto de iniciativa popular para regulamentar os plebiscitos e referendos no país, previstos no artigo 14 da Constituição Federal. Poderá ser a segunda lei de iniciativa popular sugeridas pela OAB e CNBB. A primeira foi a Lei 9.840/99, de combate aos crimes eleitorais, para a qual OAB e CNBB coordenaram o recolhimento de mais de 1 milhão de assinaturas.

- É o que chamamos de cidadania ativa. Estamos reavivando essa parceria histórica entre as duas entidades para reforçar a participação da população através de referendos e plebiscitos. O povo não pode ficar passivo, à espera das autoridades - defende o presidente da OAB, Roberto Busato.

Apenas este ano, juntas OAB e CNBB já realizaram três campanhas: contra a violência, pela cidadania e de combate à corrupção eleitoral nas eleições municipais. A última trouxe de novo à tona o debate sobre o financiamento de campanhas e a necessidade de transparência no pleito municipais deste ano, com severas críticas a casos como o relacionado ao ex-assessor da Casa Civil da Presidência da República, Waldomiro Diniz.

As duas entidades também fizeram este ano dois pronunciamentos em conjunto: contra a aprovação, pelo Senado Federal, do projeto de lei que previa a cassação do mandato de políticos envolvidos com compras de votos apenas depois de o processo ter transitado em julgado e em repúdio ao salário mínimo de R$ 260, anunciado em abril pelo governo.

Na avaliação do padre José Ernani Pinheiro, assessor político da CNBB, contribuiu para a reedição da aliança com a OAB o bom relacionamento entre os presidentes das duas entidades, cultivado desde a gestão de Rubens Aprobbatto na OAB até o ano passado, quando Busato ocupava o cargo de vice na ordem:

- O atual presidente da OAB foi até nós e se colocou à disposição, sobretudo na área de Direitos Humanos. Vimos então a importância dessa duas autoridades morais se juntarem a serviço do povo. Pelo visto, vem dando certo - disse.