O Estado de São Paulo, n. 46776, 11/11/2021. Política p.A13

 

Mourão defende veto ao orçamento secreto

 

Eduardo Gayer

Weslley Galzo

 

Na contramão do presidente Jair Bolsonaro, o vice Hamilton Mourão defendeu ontem a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de suspender o orçamento secreto – esquema revelado pelo Estadão de pagamento de emendas de relatorgeral, sem transparência, em troca de apoio político no Congresso. O julgamento virtual na Corrte foi encerrado com placar de 8 a 2 pela suspensão dos repasses. O mérito da ação ainda não foi analisado.

"Acho que os princípios da administração pública, de legalidade, de impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência não estavam sendo respeitados nessa forma aí de execução orçamentária. Então, eu acho que a intervenção do STF foi oportuna", disse Mourão ao chegar ao Palácio do Planalto. "Você tem que dar o máximo de publicidade. É princípio da administração pública, aí conjugado com a eficiência", acrescentou o vice.

A decisão do plenário referendou a liminar da ministra Rosa Weber que, na sexta-feira passada, suspendeu até o fim de 2021 os repasses via emendas de relator-geral, chamadas de RP9. Os valores destinados a esta modalidade neste ano somam R$ 18,5 bilhões. A ministra ordenou que o governo dê "ampla publicidade" aos ofícios encaminhados por parlamentares em 2020 e 2021 para alocação dos recursos em seus redutos eleitorais.

A decisão foi alvo de pressões de parlamentares beneficiados pelo esquema e do próprio presidente da República. Na segunda-feira, Bolsonaro criticou a medida da magistrada, classificando-a como "interferência indevida" do Judiciário nos outros Poderes. No mesmo dia, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-al), tido como principal operador da distribuição de emendas de relator-geral do Orçamento, foi ao Supremo para conversar com o presidente da Corte, Luiz Fux, na tentativa de derrubar a liminar, sem sucesso. A decisão do colegiado mina o poder de controle e negociação de Lira.

 

VOTOS. O julgamento no plenário virtual do Supremo – plataforma em que os ministros depositam seus votos a distância, sem discussão detalhada – foi aberto na madrugada de anteontem e encerrado à meianoite de hoje. Ao votar, Rosa seguiu o tom adotado no despacho e proferiu um voto com recados duros.

Logo nas primeiras horas de julgamento, a ministra foi acompanhada por Luís Roberto Barroso e Cármen Lúcia, que afirmou no voto que o controle dos recursos públicos "não pode ser escamoteado nem esvaziado pela sombra a impedir a garantia da transparência na gestão pública".

Na manhã de anteontem, o ministro Edson Fachin juntou seu voto à maioria, seguido pelos colegas Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes. Fux e o ministro Dias Toffoli também seguiram a relatora, sem incluir voto por escrito no julgamento.

 

DIVERGÊNCIA. Primeiro a divergir parcialmente da relatora, Gilmar Mendes encaminhou seu voto a favor da liberação das emendas de relator, desde que seja "assegurado amplo acesso público, com medidas de fomento à transparência ativa". Kassio Nunes Marques, único ministro indicado por Bolsonaro, abriu uma nova tese argumentativa e propôs que o Congresso "aperfeiçoe a tramitação das normas orçamentárias" somente em 2022.

Segundo Nunes Marques, embora o orçamento secreto represente "contrariedade aos princípios da transparência e da publicidade", é necessário que os repasses empenhados sigam valendo, pois, "ainda que passíveis de críticas, atenderam às normas vigentes". Anteontem, Bolsonaro afirmou que Nunes Marques representa seus "10% dentro do STF".

 

Pontos-chave

Liberação de recursos

O orçamento secreto tem sido usado pelo governo para distribuir bilhões de reais para a aprovação de projetos no Congresso.

 

Suspensão

Na sexta-feira passada, a ministro do STF Rosa Weber determinou que o governo suspendesse "imediatamente" todos os pagamentos.

 

Supremo

Ontem, o plenário do STF manteve, por 8 votos a 2, o veto aos repasses. Ficaram vencidos Gilmar Mendes e Kássio Nunes Marques.