Valor Econômico, v. 20, n. 4871, 01/11/2019. Política, p. A11

Perícia em áudios ignorou risco de adulteração
André Guilherme Vieira



O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ) não realizou perícia no disco rígido do equipamento usado pela portaria do condomínio Vivendas da Barra, no Rio, onde o presidente Jair Bolsonaro tem uma casa, pelo que se conclui da documentação entregue pelos promotores do caso à 4ª Vara Criminal do Tribunal do Júri.  Essa investigação está relacionada ao caso Marielle Franco, vereadora assassinada em 14 de março do ano passado juntamente com seu motorista, Anderson Gomes.

Isso significa que a análise técnica feita pelo MP-RJ nas gravações de áudio não levou em consideração a possibilidade de arquivos terem sido apagados antes de ser apresentados às autoridades.

O MP-RJ diz que recebeu os arquivos de controle de acesso da portaria no dia 15 de outubro. No entanto, esse material foi obtido pela Polícia Civil por intermédio do síndico do condomínio, e só então repassado à promotoria. Não se sabe em que tipo de mídia digital o síndico entregou os arquivos disponibilizados à polícia.

Com base no laudo, as investigadoras afirmaram que o porteiro do condomínio teria mentido ou se enganado nos dois depoimentos prestados à Polícia Civil, nos quais afirmou que foi o “seu Jair” quem autorizou a entrada no condomínio de um dos envolvidos no crime, Élcio de Queiroz, horas antes do assassinato da parlamentar do Psol. Segundo o MP-RJ, a autorização de entrada foi dada pelo sargento aposentado da PM Ronnie Lessa, que também tem casa no residencial e é acusado de disparar uma submetralhadora para matar Marielle e Anderson. Élcio foi acusado de dirigir o carro usado na emboscada.

No dia 14 de março de 2018 Bolsonaro estava em Brasília e há registros de presença dele em duas sessões de votação ocorridas na Câmara dos Deputados, além de vídeos que ele gravou em seu gabinete e postou na internet.

A documentação entregue à Justiça pelo MP-RJ mostra também que as promotoras do caso enviaram na quarta-feira à coordenadoria de perícias os quesitos a serem respondidos sobre as gravações.

Na entrevista concedida também na quarta-feira, a promotora Simone Sibilio disse que Ronnie Lessa recebeu da mulher dele, Elaine, em janeiro, a foto de uma planilha manuscrita de controle de entrada no condomínio na Barra.

“Em razão do acesso ao celular do Ronnie Lessa, que foi apreendido quando ele foi preso e após a perícia nesse aparelho, (...) foi possível então detectar através dos agentes do Ministério Público, analistas, que a Elaine, no dia 22 de janeiro, passa para Ronnie Lessa uma fotografia da planilha de acesso, da planilha de controle de acesso à entrada desse condomínio” afirmou a promotora.

“Aí surge então a primeira prova de que Élcio de Queiroz se encontrou sim no dia do crime, e minutos antes deles partirem para a empreitada criminosa, ele se encontra com Ronnie Lessa”, acrescentou Simone.

No pedido sigiloso de federalização da investigação para descobrir o mandante dos assassinatos de Marielle e de seu motorista Anderson, a Procuradoria-Geral da República (PGR) afirma que o Estado do Rio de Janeiro é incapaz de identificar a autoria intelectual dos assassinatos, em razão da “contaminação” das estruturas das Polícias Civil e Militar por milícias e grupos paramilitares que atuam em várias regiões do Rio de Janeiro.

“Desperta especial preocupação, comprovada pelo relato dos fatos, a propalada relação de promiscuidade entre as forças de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro e os ‘milicianos’ que praticam, com despudor, atos criminosos a granel, a indicar, sem maior controvérsia, a incapacidade do aparato estadual para continuar com a investigação e a persecução criminal sobre os fatos, para a completa identificação do mandante”, afirma a PGR no documento enviado em 17 de setembro ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), último dia do mandato da agora ex-procuradora-geral Raquel Dodge.

O pedido da PGR, obtido pelo Valor, está sob relatoria da ministra Laurita Vaz e há expectativa de que a 3ª Seção da Corte do STJ o analise ainda este ano.

A PGR também afirma que a “contaminação” do aparato policial fluminense o tornou ineficiente e se deu pela infiltração de milicianos nos órgão de Estado.

“Além de gerar óbvia ineficiência e contribuir para estimular novos crimes, indica que existirão - com absoluta certeza - atividades deletérias feitas por criminosos infiltrados na Polícia Civil e Militar do Rio de Janeiro para gerar delonga, criar dúvidas (...) para dificultar a instrução e coleta de provas.”

No documento enviado ao STJ, a PGR atribui às polícias a corrupção de agentes públicos decorrente da cooptação por grupos paramilitares. Mas não faz menção a eventual envolvimento de integrantes do Ministério Público - por lei, o órgão é responsável pelo controle externo da atividade da Polícia Civil.

Valor Econômico, v. 20, n. 4871, 01/11/2019. Brasil, p. A11

Perícia em áudios ignorou risco de adulteração
André Guilherme Vieira



O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ) não realizou perícia no disco rígido do equipamento usado pela portaria do condomínio Vivendas da Barra, no Rio, onde o presidente Jair Bolsonaro tem uma casa, pelo que se conclui da documentação entregue pelos promotores do caso à 4ª Vara Criminal do Tribunal do Júri.  Essa investigação está relacionada ao caso Marielle Franco, vereadora assassinada em 14 de março do ano passado juntamente com seu motorista, Anderson Gomes.

Isso significa que a análise técnica feita pelo MP-RJ nas gravações de áudio não levou em consideração a possibilidade de arquivos terem sido apagados antes de ser apresentados às autoridades.

O MP-RJ diz que recebeu os arquivos de controle de acesso da portaria no dia 15 de outubro. No entanto, esse material foi obtido pela Polícia Civil por intermédio do síndico do condomínio, e só então repassado à promotoria. Não se sabe em que tipo de mídia digital o síndico entregou os arquivos disponibilizados à polícia.

Com base no laudo, as investigadoras afirmaram que o porteiro do condomínio teria mentido ou se enganado nos dois depoimentos prestados à Polícia Civil, nos quais afirmou que foi o “seu Jair” quem autorizou a entrada no condomínio de um dos envolvidos no crime, Élcio de Queiroz, horas antes do assassinato da parlamentar do Psol. Segundo o MP-RJ, a autorização de entrada foi dada pelo sargento aposentado da PM Ronnie Lessa, que também tem casa no residencial e é acusado de disparar uma submetralhadora para matar Marielle e Anderson. Élcio foi acusado de dirigir o carro usado na emboscada.

No dia 14 de março de 2018 Bolsonaro estava em Brasília e há registros de presença dele em duas sessões de votação ocorridas na Câmara dos Deputados, além de vídeos que ele gravou em seu gabinete e postou na internet.

A documentação entregue à Justiça pelo MP-RJ mostra também que as promotoras do caso enviaram na quarta-feira à coordenadoria de perícias os quesitos a serem respondidos sobre as gravações.

Na entrevista concedida também na quarta-feira, a promotora Simone Sibilio disse que Ronnie Lessa recebeu da mulher dele, Elaine, em janeiro, a foto de uma planilha manuscrita de controle de entrada no condomínio na Barra.

“Em razão do acesso ao celular do Ronnie Lessa, que foi apreendido quando ele foi preso e após a perícia nesse aparelho, (...) foi possível então detectar através dos agentes do Ministério Público, analistas, que a Elaine, no dia 22 de janeiro, passa para Ronnie Lessa uma fotografia da planilha de acesso, da planilha de controle de acesso à entrada desse condomínio” afirmou a promotora.

“Aí surge então a primeira prova de que Élcio de Queiroz se encontrou sim no dia do crime, e minutos antes deles partirem para a empreitada criminosa, ele se encontra com Ronnie Lessa”, acrescentou Simone.

No pedido sigiloso de federalização da investigação para descobrir o mandante dos assassinatos de Marielle e de seu motorista Anderson, a Procuradoria-Geral da República (PGR) afirma que o Estado do Rio de Janeiro é incapaz de identificar a autoria intelectual dos assassinatos, em razão da “contaminação” das estruturas das Polícias Civil e Militar por milícias e grupos paramilitares que atuam em várias regiões do Rio de Janeiro.

“Desperta especial preocupação, comprovada pelo relato dos fatos, a propalada relação de promiscuidade entre as forças de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro e os ‘milicianos’ que praticam, com despudor, atos criminosos a granel, a indicar, sem maior controvérsia, a incapacidade do aparato estadual para continuar com a investigação e a persecução criminal sobre os fatos, para a completa identificação do mandante”, afirma a PGR no documento enviado em 17 de setembro ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), último dia do mandato da agora ex-procuradora-geral Raquel Dodge.

O pedido da PGR, obtido pelo Valor, está sob relatoria da ministra Laurita Vaz e há expectativa de que a 3ª Seção da Corte do STJ o analise ainda este ano.

A PGR também afirma que a “contaminação” do aparato policial fluminense o tornou ineficiente e se deu pela infiltração de milicianos nos órgão de Estado.

“Além de gerar óbvia ineficiência e contribuir para estimular novos crimes, indica que existirão - com absoluta certeza - atividades deletérias feitas por criminosos infiltrados na Polícia Civil e Militar do Rio de Janeiro para gerar delonga, criar dúvidas (...) para dificultar a instrução e coleta de provas.”

No documento enviado ao STJ, a PGR atribui às polícias a corrupção de agentes públicos decorrente da cooptação por grupos paramilitares. Mas não faz menção a eventual envolvimento de integrantes do Ministério Público - por lei, o órgão é responsável pelo controle externo da atividade da Polícia Civil.