Valor Econômico, v. 20, n. 4871, 01/11/2019. Política, p. A11

Promotora no caso foi admiradora de Bolsonaro

Cristian Klein


Uma campanha para afastar a promotora Carmen Eliza Bastos de Carvalho do caso Marielle Franco esteve entre os assuntos mais comentados ontem no Twitter, por meio da hashtag #ForaCarmenEliza. A promotora participou da entrevista de anteontem em que o Ministério Público do Rio desmentiu a versão do porteiro que associou o presidente Jair Bolsonaro aos acusados pela morte da vereadora. No ano passado, Carmen Eliza foi apoiadora ferrenha do então deputado e candidato ao Planalto e tem sua imparcialidade questionada.

No Twitter, Carmen Eliza publicou uma fotografia em que aparece vestida com uma camisa estampada com o rosto de Bolsonaro. Em outra, está ao lado do deputado estadual Rodrigo Amorim (PSL), que ficou conhecido por ter quebrado uma placa de rua em homenagem à Marielle Franco durante a campanha. Escreveu ainda, nas redes sociais, diversos comentários de caráter direitista ou detratando a esquerda.

Por ocasião da vitória de Bolsonaro, em outubro, Carmen Eliza postou no Instagram um cartaz em que comemorava de forma efusiva a eleição. “O Brasil venceu!!! 57,7 milhões! Libertos do cativeiro esquerdopata - #nãovaiterindulto #nãovaiterGraça #vaificarpreso,babaca”, disse, numa referência ao ex-presidente Lula.

Na posse, na mesma rede social, a promotora postou a reprodução de uma imagem de TV em que Bolsonaro discursava no Congresso e comentou: “Há anos que não me sinto tão emocionada”. Em abril, Carmen foi responsável pelo pedido de arquivamento do processo contra 13 PMs suspeitos de torturar e matar o ajudante de pedreiro Amarildo de Souza - que desapareceu após entrar em uma viatura da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha, em julho de 2013.

Procurado pelo Valor, o procurador-geral de Justiça do Rio, Eduardo Gussem, não respondeu se Carmen Eliza será afastada do grupo que investiga a morte de Marielle Franco. A vereadora, executada em 14 de março do ano passado, tinha uma atuação fortemente de esquerda, em defesa dos direitos humanos e de minorias.

Outra promotora, Simone Sibilio, coordenadora do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco/MPRJ) é ex-PM e ex-delegada da Polícia Civil, instituições cujos servidores estão na base social de apoio a Bolsonaro. A terceira promotora do caso é Leticia Emile Petriz.

Um dos acusados do crime, o sargento reformado Ronnie Lessa, morava no mesmo condomínio de Bolsonaro, na Barra da Tijuca, no Rio. De acordo com depoimentos do porteiro que trabalhava no local, o outro réu, o ex-PM Élcio de Queiroz, chegou ao condomínio no dia do crime e pediu para que interfonasse para a casa 58, que pertence a Bolsonaro. O porteiro teria falado com alguém que se identificou como “Seu Jair” e liberou a entrada, conforme noticiou o “Jornal Nacional”, na terça-feira. Queiroz, no entanto, dirigiu-se à casa 65, de Ronnie Lessa - ainda segundo o funcionário. As promotoras responsáveis pelo caso, contudo, desmentiram a versão do porteiro - cujo nome não foi identificado - e disseram que foi Lessa quem atendeu o interfone.

O desmentido das promotoras se baseou na existência de uma gravação de conversa pelo interfone entre o porteiro e a casa 65, onde quem atende é Lessa. A investigação, porém, suscita uma série de questionamentos, agora que foi retirado o sigilo do processo.

Chama a atenção, principalmente, a longa demora de quase sete meses entre a prisão dos acusados, em março, e a obtenção, em outubro, dos áudios do interfone - que teriam sido “voluntariamente” entregues pelo síndico - e do registro de entrada de visitantes, onde constava o número 58 da casa de Bolsonaro.

Por outro lado, é notável o ritmo acelerado com que o MP imprimiu à investigação tão logo o nome do presidente foi citado, convocando entrevista para desmentir a versão do porteiro. O resultado da perícia nos arquivos de áudio ficou pronto momentos antes do pronunciamento das promotoras. Além disso, o MP procurou o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, para tratar do envolvimento de Bolsonaro por meio de uma consulta informal, o que é incomum.