O Estado de São Paulo, n. 46778, 03/11/2021. Economia p.B2

 

 

A geopolítica da energia

 

Adriano Pires

O colapso no mercado de energia, com aumentos surreais dos preços do petróleo e do gás natural, poderá trazer importantes mudanças na geopolítica da energia.

A origem desses aumentos e, mesmo, a falta de energia em algumas regiões do mundo podem ser explicadas pela pandemia em 2020, que promoveu uma redução conjuntural da oferta de energia, e pela mudança estrutural que é a agenda ambientalista, gerando uma escassez de petróleo e de gás natural. Muitos afirmam que estes seriam os principais motivos para um racionamento de eletricidade na China e para a explosão do preço do gás natural na Europa.

Esta agenda ambiental, ao hostilizar as chamadas International Oil Companies (IOCS), fortalece as National Oil Companies (NOCS), provocando mudanças na geopolítica da energia. Os investimentos para exploração de petróleo e gás das IOCS caíram para a metade entre 2011 e 2021, segundo o Financial Times.

Essa demonização tem levado a uma redução dos investimentos das IOCS em petróleo e gás nos últimos cinco anos, bem como ao êxodo dos investidores nesses mercados. Tudo isso guiado por uma obsessão com as mudanças climáticas. Este radicalismo ambiental está afastando da mesa de negociação players como a China, produtores relevantes como a Rússia e a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) e as ICOS, que foram as grandes empresas de energia do século 20.

Diante deste cenário, começa a se construir um novo mapa da geopolítica da energia. Este novo mapa volta a dar poder aos países grandes produtores e exportadores de óleo e gás, como ocorreu na década de 70 com o primeiro e o segundo choques do petróleo. É o retorno do poder do cartel da Opep, já que esta nova realidade trará cada vez menos oferta de óleo e gás e, com isso, preços cada vez mais elevados e um aumento da inflação.

No caso da Rússia, grande exportadora de gás natural, o seu presidente se transforma numa espécie de czar da Europa, na medida em que o gás russo representa de 40% a 50% do consumo. Se o presidente Vladimir Putin fechar as válvulas dos gasodutos que atendem a Europa, a população morre de frio.

Diante deste quadro, não nos espantemos se voltarem a surgir nos países da Opep novos ditadores ao estilo Muamar Kadafi e Saddam Hussein.

Os desafios estão colocados. Se não conseguirmos uma transição equilibrada para a energia verde que evite a alta dos preços da energia, não vamos construir a solução de que o mundo precisa. Ao contrário, poderemos estar reforçando a criação de uma outra geopolítica – além de uma impopularidade em relação às propostas ambientalistas. Ou seja, perdemos todos.