O Estado de São Paulo, n. 46778, 13/11/2021. Economia p.B4

 

STF pode indicar solução para Auxílio Brasil

Contas públicas Regras eleitorais


Julgamento na Corte vai definir se governo poderá ignorar restrições fiscais em ano de eleições e ampliar benefício

 

Idiana Tomazelli

 

Voto de Gilmar Mendes no STF deixa auxílio a R$ 400 mais próximo

 

Um julgamento em curso no plenário virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) pode abrir caminho para o governo zerar a fila do Bolsa Família – agora rebatizado de Auxílio Brasil – e ampliar o valor do benefício sem esbarrar nas limitações da lei eleitoral, que impede o aumento desse tipo de gasto a partir de 1.º de janeiro de 2022.

O obstáculo da lei eleitoral tem sido justamente um fator de pressão para o governo, que corre contra o tempo para obter a aprovação da PEC dos precatórios, que vai abrir espaço no Orçamento para bancar um auxílio de R$ 400 como determinou o presidente Jair Bolsonaro. Pela lei eleitoral, ao menos uma parcela do novo valor precisa ser paga ainda neste ano, mas a demora na votação da PEC pode comprometer a operação.

O ministro Gilmar Mendes, que é relator de uma ação sobre a regulamentação de uma renda básica no Brasil, proferiu ontem um voto no sentido de que, para atender à decisão judicial, o governo pode ampliar as políticas sociais sem necessidade de observar as restrições de um ano de eleições.

Em abril, o STF mandou o governo regulamentar a Renda Básica de Cidadania, prevista em uma lei de 2004, até o fim de 2022. Na prática, a decisão obriga o governo a zerar a fila do atual programa social e ampliar os valores pagos aos beneficiários. Havia dúvidas, porém, se a implementação poderia se estender ao ano que vem, em meio à disputa eleitoral, ou se seria necessário colocá-la em prática ainda em 2021. A questão foi abordada pela Advocaciageral da União (AGU) em embargos de declaração.

"Portanto, tratando-se de estrito cumprimento de decisão judicial que impõe o alargamento de valores, de continuidade e/ou fusão de programas sociais já estabelecidos em leis, além de restar, evidentemente, ausente o abuso de poder político e/ou econômico, não há falar na incidência da norma constante do § 10 do art. 73 da Lei 9.504/97 (lei eleitoral)", diz o voto do ministro Gilmar Mendes.

 

OUTROS VOTOS. O julgamento vai se prolongar até o dia 22 de novembro. Outros ministros poderão divergir e, eventualmente, consolidar maioria contrária ao relator. Até agora, o ministro Alexandre de Moraes, que também integra o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), acompanhou o voto de Gilmar.

Há expectativa sobre como votarão os ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin, que assim como Moraes fazem parte da Corte eleitoral.

Caso a posição do relator seja majoritária no STF, caberá aos órgãos jurídicos do governo e do Ministério da Cidadania interpretar o dispositivo e decidir como ele poderia ser aplicado. Em avaliações preliminares, há a leitura de que o voto de Gilmar abre espaço para o aumento do valor como desejado por Bolsonaro.

As restrições impostas pela lei eleitoral têm provocado preocupação dentro do governo. Com o cronograma apertado para a votação da PEC no Senado, há o temor de que não haja tempo hábil para operacionalizar o novo valor de R$ 400 ainda em dezembro. Segundo apurou o Estadão/broadcast, integrantes da ala política do governo especulam sobre a possibilidade de decretar calamidade pública apenas para fugir dessa limitação legal. Em caso de calamidade, ficaria afastada a vedação da lei eleitoral para o aumento de políticas como o Auxílio Brasil.

Seria diferente da decretação de calamidade com o objetivo de implementar o novo programa via crédito extraordinário, que fica fora do teto de gastos, a regra que limita o avanço das despesas à inflação. Nesse caso, segundo uma fonte do governo, a PEC aprovada com atraso liberaria o espaço no Orçamento, mas talvez fosse necessário decretar calamidade apenas para evitar os problemas com a lei eleitoral. O julgamento, porém, poderia mudar esse quadro.

 

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Equipe econômica se articula para evitar novo 'puxadinho'

 

A equipe econômica considera que a PEC dos precatórios cria um espaço permanente para novas despesas, e evita a discussão de um novo "puxadinho" no teto de gastos às vésperas das eleições de 2022. Essa posição tem sido reforçada a senadores na fase de tramitação da PEC e também a investidores.

Na avaliação dos técnicos, o cenário de "puxadinho", considerado pior que a atual solução, acabaria acontecendo caso fosse aprovado o estado de calamidade como um "plano B" para financiar um benefício social de R$ 400 até dezembro de 2022, como quer o presidente Jair Bolsonaro.

Esse instrumento é considerado frágil pelo Ministério da Economia, porque proporcionaria um aumento apenas temporário do espaço fiscal. Como a redução do valor benefício é considerada praticamente inviável politicamente depois das eleições, se formaria um impasse.

Nas conversas com parlamentares e também com investidores, o novo secretário de Orçamento e Tesouro, Esteves Colnago, tem elencado as razões pelas quais considera melhor a aprovação da PEC, apesar de toda a polêmica que cerca as mudanças nos precatórios.

O pior caminho apontado é a edição de um decreto de calamidade, visto como de alto risco jurídico e de fragilização desse instrumento num país em que historicamente a população tem renda baixa. O temor é aprovar um novo "cheque em branco" para 2023 com o argumento de enfrentamento dos efeitos da pandemia da covid-19./ ADRIANA FERNANDES e I.T.