O Estado de São Paulo, n. 46779, 14/11/2021. Metrópole p.A20

 

COP regula mercado de carbono, mas frustra em verba contra crise climática

 

Emílio Sant"Anna

 

A Cúpula do Clima (COP-26) chegou ao fim com acordo que busca limitar o aquecimento global a 1,5°C. Pela primeira vez, o texto menciona combustíveis fósseis como problema, mas prevê "redução gradual", em vez de "abandono", como constava em versão inicial, informa o enviado especial a Glasgow, Emílio Sant'Anna. Uma das principais frustrações ficou para os que defendiam mais verba para iniciativas em países em desenvolvimento, o Brasil entre eles, ponto que não avançou. Entre os progressos, foram definidas regras para o mercado de carbono.

O acordo da Cúpula do Clima (COP-26), aprovado ontem por líderes de quase 200 países em Glasgow, definiu as regras para o mercado global de carbono, mas avançou pouco sobre o financiamento para países pobres bancarem ações contra o aquecimento global, o que frustrou expectativas de autoridades e especialistas. Outro destaque do texto foi um apelo para a redução gradual do uso de combustíveis fósseis – trecho cuja linguagem foi atenuada ao longo das negociações.

O mercado de carbono é um mecanismo que permite negociar créditos com base na quantidade de emissões de CO2 feitas ou evitadas. A regulamentação do mercado de carbono era prevista desde o Acordo de Paris, em 2015. Alguns países têm seus mercados internos regulamentados e outros operam com mecanismos voluntários, como o Brasil. O sistema internacional – detalhes da operação ainda serão definidos – é um passo para que países onde há grandes áreas de absorção de CO2 (como a Amazônia) possam negociar títulos com nações poluentes, que precisam compensar o excesso de emissões.

Na última COP – a de Madri, em 2019 – o Brasil foi um dos principais obstáculos para o acordo. Agora, o governo decidiu fazer concessões. "Chegamos não apenas com nossas posições e preferências, mas com o entendimento maduro de que as negociações sejam finalizadas", disse ontem o negociador-chefe do Brasil, Paulino Franco de Carvalho Neto.

Uma das críticas do Brasil era sobre barreiras à dupla contagem: que a emissão de um crédito de carbono seja contabilizada e abatida das emissões totais do país que vendeu e também do que comprou.

Um item que os países em desenvolvimento pediam, e foi aprovado, é a transposição dos créditos criados pré-Acordo de Paris para o período posterior. O cálculo que as nações ricas fizeram é que não valia a pena travar a negociação ante um total não tão volumoso.

Os países mais pobres, porém, ficaram sem a criação de uma taxa sobre as transações. Na COP, foi aprovada só a taxação de transações entre empresas, mas não entre países.

 

COMBUSTÍVEL FÓSSIL. O texto do acordo também prevê "redução gradual" do uso de combustíveis fósseis – a primeira vez que a menção direta a esses poluentes aparece no documento de uma COP. Mas a linguagem do trecho, que na versão inicial do acordo previa o "abandono gradual" dessas fontes de energia, foi suavizada ao longo das negociações, após forte pressão de países produtores de petróleo ou consumidores de carvão. Ontem, houve mobilização de China e Índia para trocar o termo "eliminação" por "redução" do uso dos poluentes, o que motivou críticas de outros países.

 

DINHEIRO. Alvo de disputa entre países ricos e nações pobres, o financiamento de ações contra as mudanças climáticas emperrou conversas e frustrou expectativas.

Em 2009, os países desenvolvidos se comprometeram a criar, até o ano passado, um fundo de US$ 100 bilhões anuais para as nações em desenvolvimento. A promessa – já considerada insuficiente pelos especialistas – foi descumprida e os cálculos mais recentes apontam oferta de montante de apenas US$ 80 bilhões.

O texto final recomenda dobrar os recursos para essa finalidade, mas pelo menos até 2025 segue válida a promessa de US$ 100 bilhões por ano. Na plenária final, autoridades de países em desenvolvimento repetiram críticas sobre a insuficiência dos recursos.

O Brasil foi uma das principais vozes na defesa por mais recursos pelos países desenvolvidos. "O financiamento deveria ter a mesma ambição das metas (de cortes de emissões de gases de efeito estufa)", disse nesta semana o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite.

 

DESCONFIANÇA. Diante da explosão do desmate na Amazônia e da falta de diálogo do presidente Jair Bolsonaro nos debates ambientais, o Brasil chegou à conferência sob desconfiança internacional. Na COP, entretanto, o País aderiu a acordos propostos pelos Estados Unidos e europeus – como os pactos para conter o desmate e a poluição por metano.

Analistas consideram positivo que o Brasil não tenha colocado obstáculos nas negociações, mas dizem que recuperar a reputação na área ambiental dependerá de ações efetivas. Anteontem, dados oficiais mostraram que a Amazônia teve o maior desmatamento para o mês de outubro dos últimos sete anos.

Embora o Brasil tenha adotado postura de conciliação nas negociações, Bolsonaro manteve o tom de conflito. Ontem, ele disse em Dubai que a COP é onde "quase todos apresentam os problemas para os outros resolverem". Diferentemente de outros chefes de Estado – como o americano Joe Biden e a alemã Angela Merkel –, Bolsonaro não foi à COP.

Relatório das Nações Unidas (ONU), de agosto, mostrou que a Terra está esquentando mais rápido do que era previsto e deve atingir 1,5ºC acima do nível pré-industrial já na década de 2030. Para o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, o acordo é bemvindo, mas insuficiente – o que também foi repetido por representantes de países na plenária final ontem. Segundo ele, o mundo continua à beira de uma "catástrofe climática". / COLABORARAM CÉLIA FROUFE E FELIPE FRAZÃO

 

Saiba mais

• Mercado de Carbono

A COP-26 conseguiu chegar a um acordo considerado positivo entre os países nos principais pontos que emperravam a regulamentação do mercado de carbono, prevista desde o Acordo de Paris, de 2015.

 

• Financiamento

Havia expectativa de que os países ricos elevassem ofertas de recursos às nações em desenvolvimento, para ações contra o aquecimento global – a promessa de um fundo anual de US$ 100 bilhões está atrasada. Mas houve pouco progresso: apenas um apelo para dobrar a verba, sem detalhes ou atualização de valores. Por outro lado, ainda no setor financeiro, foi discutido na COP o compromisso do setor bancário de alinhar suas políticas de investimentos às metas de redução de emissões de gases, cortando verba a combustíveis fósseis.

 

• Menos carvão

Ao todo, 48 países assinaram acordo para acabar com o uso do combustível fóssil – Brasil, Estados Unidos e China ficaram fora. No texto final, a menção a combustíveis fósseis foi amenizada, após pressão de Índia e China.