O Globo, n. 32704, 20/02/2023. Economia, p. 11
Peso na fatura
Bruno Rosa
Com o peso maior de subsídios e impostos, a conta de luz subiu bem mais do que o custo de geração de energia no país desde 2015. Naquele ano, o brasileiro sofreu com um tarifaço que chegou a 70% em razão da medida provisória 579, que baixou artificialmente os preços, antecipando a renovação das concessões e acabou provocando uma desorganização no setor elétrico.
Segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o preço por megawatt/hora da tarifa residencial subiu de R$ 462,80, em 2015, para R$ 688,30 no fim do ano passado. Isso significa um aumento de 48,7%. O custo de geração, que representa o aumento do preço da energia para a distribuidora, passou de R$ 202,70 para R$ 260,50 no período, um incremento de 28,5%.
A garfada de subsídios e impostos deve continuar aumentando nos próximos anos, segundo especialistas. Segundo a Aneel, a previsão é que os subsídios somem quase 13% das contas de luz pagas pelos brasileiros este ano, o equivalente a um montante de R$ 33,40 bilhões, com alta de 1,5% em relação ao ano passado ou meio bilhão de reais.
Interferência política
Quando se somam aos subsídios os impostos federais, estaduais e municipais, o peso geral de encargos e tributos na conta de luz chega a cerca de 40%, de acordo com levantamento feito pelo GLOBO.
Segundo Edvaldo Santana, ex-diretor da Aneel, o custo da energia para o consumidor está subindo mesmo em um cenário de redução no preço da energia de fontes solar, eólica e termelétricas a gás, motivada pelos leilões realizados nos últimos anos.
— Esse benefício não chega na tarifa. E isso ocorre porque há muita interferência política na criação de subsídios e na sua distribuição. Um exemplo disso são as construções obrigatórias de termelétricas previstas no projeto de privatização da Eletrobras, que serão pagas em forma de subsídios e encargos. Nesse caso, o Congresso planejou até onde as térmicas serão construídas, definiu o volume da operação e ainda regulou o preço — afirma Santana.
Uma outra incerteza que paira no setor é a questão do risco de aumento do ICMS na contas de energia. No ano passado, em um cenário de inflação alta e corrida eleitoral, o governo federal fixou um teto de 18% nas alíquotas estaduais. Antes da sanção da lei, a maior parte dos estados cobrava percentual entre 25% e 30%.
Neste mês, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu uma alteração na base de cálculo do imposto aprovada no Congresso no ano passado, com o argumento de que os estados têm perda de R$ 16 bilhões a cada seis meses. O que está em discussão é a tributação do ICMS sobre as tarifas de transmissão e distribuição de energia. O tema ainda vai ser julgado pelo plenário da Corte.
— Houve essa medida eleitoreira de fixar um teto (de 18%) para o ICMS, mas não há dúvida de que vai voltar tudo a ser como era. Os nós do setor elétrico não vão se resolver no médio prazo. O cenário para a tarifa de energia elétrica é desafiador para o governo atual — avalia Santana.
Detalhe nas contas
Diante do peso crescente dos subsídios na energia elétrica, a Aneel estuda um acordo de cooperação com as distribuidoras para detalhar todos os gastos nas contas. Segundo Sandoval Feitosa, diretor-geral da Aneel, a ideia é uniformizar as informações nas contas de energia:
— Estamos em conversa com as distribuidoras para trazer de forma explícita nas contas de energia os subsídios pagos por todos os consumidores. O subsídio pode chegar perto de 13% nesse ano. Tudo vai depender das políticas públicas e do Legislativo. As tarifas são consequência das decisões que são feitas — afirma Feitosa.
Além dos impostos e dos encargos, o consumidor sente também no bolso os custos conjunturais, como os impactos causados pela pandemia e a recente crise hídrica. Esses dois eventos forçaram as distribuidoras a contrair empréstimos, cujas despesas foram repassadas aos clientes com aumentos extraordinários da tarifa. Para 2023, a Aneel estima alta média nas tarifas de 5,6%. Em 2022, elas já haviam subido 10,75%, em média.
Não são os únicos fatores que pressionam o caixa das distribuidoras. Neste mês, a Light, distribuidora de energia do Rio, informou à Aneel que sua geração de caixa é insuficiente para garantir a sustentabilidade da concessão. O principal motivo apontado pela empresa à agência são as chamadas perdas não técnicas. Na prática, são os “gatos” (furtos) e a inadimplência.
No terceiro trimestre do ano passado, mais da metade (53,72%) da energia distribuída pela empresa não foi paga. Como ela perde mais do que o máximo previsto no contrato de concessão, acaba ficando no prejuízo. É mais um item que as empresas devem discutir com o regulador e que pode interferir na tarifa.
De fontes renováveis a Tarifa Social
Alguns dos principais subsídios que pesam na conta de luz são a Conta de Consumo de Combustível (CCC), que custeia a energia em sistemas isolados no Norte do país, os incentivos a fontes de energia renováveis e a Tarifa Social.
Para Sandoval Feitosa, diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), as fontes renováveis já se tornaram competitivas e não precisam mais de subsídios:
— Os grupos econômicos têm bastante influência e buscam manter subsídios por meio de mudanças legislativas.
Em dezembro, a Câmara aprovou projeto que amplia de janeiro para julho o prazo final de isenção de encargos setoriais (que vão até 2045) para quem instalar sistemas de geração solar para consumo próprio. A isenção também valerá para pequenas centrais hidrelétricas (PCHs). O texto prevê ainda contratação obrigatória de energia de PCHs. Se for aprovada no Senado, a medida terá impacto de R$ 118 bilhões até 2045, que será repassado de alguma forma às tarifas.
— Para o consumidor de menor renda, a energia está cada vez mais cara para que poucos possam ter seus custos reduzidos — diz Marcos Madureira, presidente da Abradee, associação das distribuidoras.
A Tarifa Social é um programa que concede descontos a famílias inscritas no Cadastro Único (CadÚnico) ou que recebam o Benefício de Prestação Continuada (BPC).
— A Tarifa Social é justa, mas deveria fazer parte do Orçamento público. Para ter uma tarifa mais justa a todos, os custos que não fazem parte da composição da tarifa deveriam ficar alocados nas políticas públicas do governo.