Valor Econômico, v. 20, n. 4871, 01/11/2019. Empresas, p. B6

Nokia aperta o cinto para investir em 5G

Ivone Santana



Segunda maior fabricante global de telecomunicações, a finlandesa Nokia decidiu refazer sua estratégia de investimentos neste ano, ao perceber que está gastando mais do que pretendia em pesquisa e desenvolvimento da tecnologia de quinta geração (5G) de serviços móveis. De imediato, suspendeu o pagamento de dividendos aos acionistas, referente ao terceiro e quarto trimestres deste ano, cortou despesas e vai reinvestir em 5G a economia obtida de € 200 milhões.

O presidente e CEO da companhia, Rajeev Suri, precisou absorver o impacto no mercado financeiro, no dia 24, por suspender o pagamento de dividendos, aprovado pelo conselho de administração. O valor das ações chegou a cair 19,8%, para € 3,78, na Bolsa de Helsinque, na Finlândia. Depois, os investidores se acalmaram. Ontem, a ação da Nokia teve valorização de 1,59% em Helsinque, para € 3,29. Na Bolsa de Nova York, os recibos de ações (ADRs) chegaram ao fim do pregão estáveis, a US$ 3,65.

Em uma rápida viagem ao Brasil, na terça e quarta-feira, o executivo disse ao Valor que precisa que todos entendam que essa é uma situação temporária.

“Dissemos [aos acionistas] que vamos retomar nossos dividendos quando nossa posição líquida de caixa voltar a € 2 bilhões novamente”, afirmou Suri. No terceiro trimestre, o fluxo de caixa livre ficou positivo em € 299 milhões. “E dissemos que nossa margem operacional de longo prazo crescerá aproximadamente 8,5% este ano, para 12% a 14%. O desafio que temos agora em 5G é sobre os custos de alguns produtos.”

Segundo o executivo, como 5G está ainda em fase inicial, com poucos meses de implantação, os custos dos produtos são altos. Mas, assim que a instalação das novas redes for aumentando, a situação tende a melhorar. Seu compromisso é mitigar progressivamente os custos, a cada trimestre de 2020, até que atinjam a meta desejada.

Suri destaca que a receita da companhia está crescendo. De janeiro a setembro, as vendas líquidas somaram € 16,4 bilhões, 5% a mais que um ano antes. A rival Ericsson reportou nos nove meses 160,8 bilhões de coroas suecas (cerca de € 14,96 bilhões pela cotação de ontem). No topo do ranking dos fornecedores de telecomunicações está a chinesa Huawei, que registrou no período receita de 610,8 bilhões de yuans (€ 77,822 bilhões). Nokia, Ericsson e Huawei são as três únicas fabricantes que vêm desenvolvendo e implantando as redes 5G em todo o mundo.

Residente em Espoo, na Finlândia, Suri nasceu na Índia e depois tornou-se cidadão de Cingapura. Aos 52 anos, conta com a confiança dos acionistas, apesar de momentos mais difíceis. Desde que o executivo assumiu o comando da Nokia, em abril de 2014, o valor de mercado da fabricante finlandesa passou de € 1 bilhão na época para € 18,58 bilhões, ontem, de acordo com o Valor Data. Em 2015, comprou a Alcatel-Lucent.

Segundo Suri, a Nokia tem 48 contratos comerciais de 5G assinados pelo mundo, 15 dos quais já estão em operação. A maioria das redes está nos Estados Unidos, na Coreia do Sul, no Oriente Médio e em países nórdicos da Europa. Os próximos lançamentos estão previstos para o Japão e a China.

Enquanto vai instalando as redes, a Nokia vai aprimorando a tecnologia. O corte total de custos para este ano estava previsto em € 700 milhões. Mas uma revisão do plano reposicionou o valor em € 500 milhões. É essa diferença de € 200 milhões que será investida em pesquisa e desenvolvimento de 5G em 2020. Por conta disso, a Nokia contratou mais 350 pessoas para a área de pesquisa, que se juntaram a um quadro de 20 mil funcionários. Eles são apenas uma fração dos 100 mil colaboradores que a finlandesa mantém globalmente.

Os investimentos em 2018 atingiram € 4,6 bilhões, equivalentes a 20% do faturamento da fabricante. O aporte para 2019 ainda não foi revelado.

Suri disse que a equipe de desenvolvimento está trabalhando em uma nova geração de tecnologia de chip de baixo custo para lançar em 2020. É o chamado “system-on-a-chip” (SoC), um chip, ou semicondutor, desenhado para desempenhar determinadas funções nos equipamentos. O SoC vai substituir o FPGA (“Field Programmable Gate Array”), que é um componente genérico que precisa ser adaptado para cada aplicação. É maior e mais caro que o SoC.

Segundo o CEO, o semicondutor representa a maior parte dos custos da estação radiobase (ERB) 5G, embora não revele detalhes. Quando as ERBs da empresa começarem a ser distribuídas com o novo semicondutor, em 2020, os custos do produto vão cair e as margens da empresa devem melhorar, disse ele. Outro ganho esperado é com a digitalização da companhia.

Suri não se mostra desapontado com a demora para realização de leilão de frequências 5G no Brasil, previsto para o segundo semestre de 2020. A empresa já fornece infraestrutura 4G para todas as teles no país, ao lado de outros fornecedores. Em 5G, compete apenas com Ericsson e Huawei. A tendência, disse ele, é que as operadoras contratem a rede 5G dos mesmos fornecedores de 4G, do contrário essas empresas teriam de substituir parte da rede atual para haver compatibilidade, o que representaria um gasto maior.