Valor Econômico, v. 20, n. 4871, 01/11/2019. Legislação & Tributos, p. E1

Testemunha de Jeová recorre ao STF contra transfusão

 Luísa Martins 



O Supremo Tribunal Federal (STF) vai decidir se testemunhas de Jeová têm o direito de se submeter a tratamentos médicos e cirurgias sem transfusão de sangue de terceiros - conforme prevê a doutrina de sua religião.

Os ministros foram unânimes ao reconhecer a repercussão geral de um recurso de Alagoas que trata sobre o tema. Isso significa que a decisão do plenário terá impacto em todos os processos semelhantes que tramitam nas instâncias inferiores. Ainda não há data definida para o julgamento.

No caso concreto, uma paciente do Sistema Único de Saúde (SUS) recorre da decisão de primeiro grau que a impediu de realizar uma cirurgia de substituição da válvula aórtica sem o chamado “sangue alogênico”, isto é, sangue transfundido de outras pessoas.

A sentença foi confirmada em segunda instância, mas a paciente resolveu recorrer aos tribunais superiores - já que a diretoria do hospital condicionou a cirurgia à assinatura de um termo de consentimento para a realização de eventuais transfusões, caso necessário para salvar a vida da paciente.

Até o momento, a Justiça tem entendido, neste caso, que não há garantia técnica de que a operação possa transcorrer sem riscos se a transfusão estiver sumariamente proibida.

A paciente, porém, diz que a exigência de consentimento prévio para eventuais transfusões ofende sua dignidade, seu direito de acesso à saúde e sua consciência religiosa. Para sua defesa, há hipóteses constitucionais e legais para que o direito à vida, previsto na Constituição, seja flexibilizado.

“Segundo ela, cabe somente ao indivíduo escolher entre o risco do tratamento que deseja e o risco da transfusão de sangue, e o Estado deve se abster de interferir em uma escolha existencial legítima. A imposição, a seu ver, afronta também a liberdade religiosa”, informou a assessoria do Supremo, ao detalhar o caso.

A partir de uma interpretação bíblica, testemunhas de Jeová acreditam que, mesmo em situações de emergência, a transfusão de sangue corrompe a pureza da vida, entendida pelos adeptos da religião como um presente de Deus.

 relator é o ministro Gilmar Mendes. Segundo ele, o tema está diretamente vinculado ao direito fundamental à liberdade de consciência e de crença, havendo “natureza constitucional e inegável relevância”.