Título: O golpe, sempre o golpe
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 21/09/2005, Opinião, p. A10
Entranhado numa ruidosa série de histórias entretecidas de corrupção e contradições, com as quais tem solapado a própria história, o Partido dos Trabalhadores segue ampliando sua galeria particular de curiosidades. O valor é duvidoso. O acervo, bastante vasto. Somando-se aos habituais disparates produzidos pelo companheiro-mor, a direção petista esbanjou irritação com a imprensa. Revelou-se especialmente aborrecida com o que chama de ''golpismo midiático que pretende inviabilizar o mandato legítimo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva''. Eis a reafirmação do método petista de extirpar seus fantasmas. Incompetente para sair dos paradoxos em que imergiu, inábil para confrontar adversários tão legítimos quanto o governo, leniente com a quadrilha que tentou assaltar o Estado e insiste em comandar a legenda, o PT recorre a conceitos inventados nos laboratórios de propaganda palaciana. Tais artimanhas são forjadas, em geral, para inibir denúncias, frear investigações e alimentar sentimentos de proteção a um mandato supostamente ameaçado pelo inimigo que mora em torno. Não colam mais.
Aos ouvidos de quem tem mais de três neurônios, o método soa insuportável. O documento da Executiva Nacional petista identifica uma perversa maquinação entre ''órgãos de comunicação'' e oposição, representados pelo PSDB e o PFL. Segundo tal ótica, estes seriam os culpados por uma obscura tentativa de ''criminalizar o PT como organização partidária e apresentá-lo como uma fraude ética e política''. Não é a primeira vez e, certamente, não será a última. O presidente Lula já se referiu à imprensa como ''ave de mau agouro''. Para além da metáfora, já resumiu o que entende por notícia - ''aquilo que não queremos que seja publicado'', reconheceu, com cândida sinceridade.
Desconsideram-se, portanto, as sucessivas e constrangedoras evidências escancaradas até aqui. Waldomiro Diniz, Mensalão, dinheiro vivo circulando em malas e cuecas, empréstimos e somas vultosas depositadas em paraísos fiscais - em todos eles o PT preferiu apagar os discursos proferidos nos tempos em que reinava na oposição. No governo, sempre que se viu pego em atitude suspeita, achou por bem denunciar o agente do flagrante, e não o autor das trapaças. Reclamou da imprensa, mas não dos envolvidos, protegidos pela absolvição sumária da sua Corte interna, mesmo diante de réus confessos ou postos à frente de provas irrefutáveis de desvios de dinheiro ou de conduta - práticas comprovadas pelas investigações da Polícia Federal, do Ministério Público e das CPIs.
Desde a fundação, o time do PT sempre foi bom de ataque. Sobravam artilheiros de primeira grandeza, notavelmente eficazes nos chutes certeiros contra os adversários. Em mais de 20 anos na oposição, com a freqüente conivência de profissionais das redações, o atual presidente da República e seu partido especializaram-se na prática que hoje condenam: a fiscalização implacável aos malfeitos arquitetados nos porões do poder. Agiu-se com insistência como o Robespierre da Revolução Francesa: ''Cortem as cabeças''. Produziram-se, assim, imensos benefícios ao combate à corrupção. Em contrapartida, também se promoveram ações erráticas, capazes de destruir reputações. Naquele tempo, como hoje, existiram excessos a serem combatidos. Nada, porém, que justifique a tese de uma sordidez existente para ''esmagar a esperança'' de que partidos de esquerda dêem certo no poder.
Na valsa das suposições equivocadas, a cúpula petista padece de uma crença de origem: puros e virtuosos, teriam sido escolhidos pelo destino para acabar com sofrimentos ancestrais e resgatar a limpidez perdida na política. Conversa fiada.