O Globo, n. 32707, 23/02/2023. Opinião, p. 2

Câmara deve dar prioridade ao PL das Fake News



O 8 de Janeiro criou no Congresso Nacional um ambiente favorável à aprovação de leis para combater a desinformação. A corrida eleitoral contaminada pela manipulação digital e os atentados contra a democracia revelaram o tamanho do erro cometido pela Câmara no ano passado ao deixar em segundo plano o Projeto de Lei 2.630, conhecido como PL das Fake News.

Aprovado no Senado em 2020, ele sofreu modificações na Câmara e chegou a um formato satisfatório. Obriga as plataformas digitais a manter regras transparentes de moderação, com critérios objetivos e direito de defesa para a retirada de conteúdos do ar, além da publicação de relatórios periódicos. Prevê medidas contra robôs e comportamento tido como “inautêntico”. Determina regras razoáveis para contas de funcionários públicos e autoridades, além de estabelecer que as plataformas remunerem as empresas jornalísticas pelo uso de conteúdo. Se já tivessem sido implementadas, essas mudanças teriam contribuído para criar um ambiente de circulação mais saudável para a informação.

Além de deter a tramitação do projeto, as plataformas digitais contribuíram para desfigurá-lo. A versão aprovada no Senado previa rastreabilidade de conteúdos virais em aplicativos de mensagens para chegar aos responsáveis pela desinformação. O dispositivo sumiu da última versão do texto discutido na Câmara e, no lugar dele, entrou um outro artigo eximindo as redes sociais de moderar conteúdo de políticos eleitos (os maiores propagadores de desinformação). Nem essas concessões bastaram para levar o projeto adiante — e ele estacionou.

No mês passado, o lançamento de um recurso que permite enviar mensagens a até 5 mil usuários do WhatsApp deu novos contornos à discussão sobre o PL das Fake News. Como disse o relator, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), quando o aplicativo deixa de ser ferramenta de troca de mensagens pessoais para tornar-se um meio de comunicação em massa, é preciso haver regras para punir a disseminação de conteúdos ilegais. O ministro da Justiça, Flávio Dino, está empenhado em obrigar as plataformas a impedir a circulação de conteúdos que pregam a violação do Estado Democrático de Direito.

Não deve haver obstáculo aos aperfeiçoamentos no texto do PL das Fake News, a começar pela necessidade de restabelecer a possibilidade de rastreamento dos conteúdos virais. Também não há motivo para manter o trecho que protege os parlamentares. Eles já desfrutam imunidade definida em lei para suas ideias e discursos e não podem transformar seus gabinetes em fábricas de teorias conspiratórias. Por fim, parece evidente que mensagens estimulando e fomentando o golpismo não devem ser toleradas. A União Europeia dispõe da legislação mais moderna e arrojada sobre o assunto, que deveria servir de inspiração ao Brasil.

Mas as eventuais mudanças não podem, mais uma vez, servir de empecilho à aprovação do PL. Os parlamentares precisam ter senso de urgência e tomar as medidas necessárias para proteger a democracia brasileira. As plataformas digitais deram repetidas provas de ser incapazes de se autorregular.