O Globo, n. 32707, 23/02/2023. Opinião, p. 2

Guerra completa um ano na Ucrânia sem perspectiva de desfecho à vista



Às vésperas do aniversário da guerra na Ucrânia, o conflito está distante do fim. A visita surpresa de Joe Biden a Kiev e seus pronunciamentos nesta semana em Varsóvia transmitiram um sinal eloquente de que os Estados Unidos não recuarão em seu apoio aos ucranianos. Ao mesmo tempo, Vladimir Putin suspendeu o último acordo nuclear que a Rússia ainda mantinha com os americanos, espécie de ameaça velada de que nada descarta para alcançar seus objetivos.

Depois de viajar escondido para encontrar o ucraniano Volodymyr Zelensky, Biden repetiu acusações de que a Rússia cometeu crimes contra a humanidade e se comprometeu a enviar mais US$ 460 milhões para defesa da Ucrânia. Os Estados Unidos e seus aliados da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) começaram a despachar para Kiev tanques sofisticados, na expectativa de um confronto decisivo na primavera no Hemisfério Norte. Zelensky tem esperança de recuperar o território tomado pelos russos, enquanto Putin quer consolidar o domínio na Crimeia e no leste ucraniano. Tudo isso prolongará o conflito.

Nenhum dos dois lados está disposto a ceder, nem a reconhecer os erros cometidos até agora. Do lado russo, o principal foi a agressão gratuita e desastrada. Putin acreditava poder dominar o território ucraniano em pouco tempo e se viu enredado num atoleiro que consome recursos políticos e econômicos, além de ter contribuído para unir contra si os aliados da Otan e de ter afastado a neutralidade estratégica de Suécia e Finlândia. Mesmo que a aproximação da China lhe traga alguma vantagem no curto prazo, a esta altura não há dúvida de que a Rússia sairá menos poderosa da guerra do que entrou.

Isso não significa que Biden ou o Ocidente possam cantar vitória. A aposta na estratégia de não sujar as mãos e a crença no poder de dissuasão das sanções se revelaram uma quimera. A Europa até aprendeu a viver sem o gás russo. Mas a Rússia sobreviveu com poucos danos econômicos, graças ao apoio chinês e à divergência entre os interesses da Otan e os de outros países que continuam a comerciar com ela (caso do Brasil). Nas palavras de Stephen Walt, catedrático de Relações Internacionais da Universidade Harvard, Putin entendeu que “o destino da Ucrânia era mais importante para a Rússia que para o Ocidente”. É dessa assimetria que ele tenta tirar proveito, acreditando que o adversário desistirá primeiro.

Com sua estratégia competente de propaganda, Zelensky virou um rosto popular no Ocidente, numa tentativa de reforçar uma aliança hoje mais fundamental para seu país que para os ocidentais. O apoio militar e logístico que os americanos lhe têm dado é necessário. Mas mantém viva entre os ucranianos a esperança de recuperar todo o território perdido em vez de levar a algum tipo de negociação ou cessar-fogo. É certo que o Ocidente não pode ceder espaço na Ucrânia às ambições imperiais russas. Mas, quanto mais cedo a guerra acabar, melhor.