Valor Econômico, v. 20,
n. 4872, 02/11/2019. Brasil, p. A6
Receita prepara MP para
novo ‘Refis do Funrural’
Cristiano Zaia
Em uma de suas primeiras ações à frente da
Receita Federal, o novo secretário do órgão, José Barroso Tostes Neto, já
prepara uma medida provisória para abrir um novo Refis que renegocie as dívidas
contraídas pelo setor de agronegócios com o Fundo de Assistência ao Trabalhador
Rural (Funrural), estimadas em R$ 11 bilhões.
A MP deve ser editada
nas próximas semanas, segundo um ministro do governo.
Com apoio do ministro da
Economia, Paulo Guedes, Tostes propõe que produtores rurais de todo país façam
a adesão ainda neste ano e comecem a pagar seus débitos em parcelas mensais a
partir de janeiro de 2020, nos mesmos moldes do “Refis” anterior, “o maior da
história”, de acordo com tributaristas.
A ideia, apurou o Valor,
é que o novo Refis - voltado para quem não aderiu ao anterior, ou seja, a
maioria dos produtores inadimplentes - também conceda descontos sobre juros,
multas e descontos incidentes sobre as dívidas com o Funrural
e dê até 15 anos para os devedores quitarem seus débitos com essa contribuição
previdenciária.
De perfil “bem mais
reservado”, diz uma fonte graduada do governo, Tostes sucedeu no fim de
setembro o ex-secretário Marcos Cintra, demitido após defender a polêmica volta
de um imposto sobre movimentações financeiras no âmbito da reforma tributária. Ex-auditor fiscal, ele também foi secretário de Fazenda do
Pará e coordenador do Confaz, conselho que reúne os secretários estaduais de
Fazenda.
Logo que assumiu o
posto, o novo secretário da Receita já participou, em outubro, de reuniões com
integrantes da bancada ruralista e com o próprio Guedes para definir um
cardápio de soluções para as dívidas do Funrural. Na
semana passada, esteve no Ministério da Agricultura tratando do novo “Refis” em
reunião fora da agenda com a ministra Tereza Cristina. Amanhã, Tostes e Guedes
devem bater o martelo em torno dos detalhes finais da MP.
Criado por meio de uma
lei sancionada em 2018 pelo então presidente Michel Temer após grande pressão
dos ruralistas, o Programa de Regularização Tributária Rural (PRR), o chamado
“Refis do Funrural”, arrecadou apenas R$ 300 milhões
durante todo o ano passado, mesmo valor estimado para 2019, segundo os dados
mais atuais fornecidos pela Receita. Tostes não quis comentar sobre o novo
Refis.
De janeiro do ano
passado até março deste ano, os produtores que devem ao Funrural
pagaram somente R$ 700 milhões a título de entrada antes de começarem a saldar
as parcelas do Refis. Sinais de que o programa vem fracassando, na leitura de
auditores federais. A estimativa era que entrasse por volta de R$ 1 bilhão por
ano nos cofres da Receita. Nesse mesmo período, 9.261 agricultores, pecuaristas
e agroindústrias com passivos junto ao Refis aderiram ao programa - o universo
total de devedores é de 18 mil contribuintes.
Produtores de todo país
tiveram até 31 de dezembro do ano passado para se inscrever no Refis “antigo”.
Na leitura do fisco, porém, a baixa adesão se deve sobretudo à esperança de
anistia nutrida por milhares de produtores, muitos dos quais ficaram por anos
sem pagar o Funrural com base em liminares na
Justiça. Em 2017, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou constitucional a
cobrança.
“A expectativa agora é
que a gente consiga resolver a questão do passivo que está prejudicando nossos
produtores e encontre uma solução definitiva”, disse a deputada Aline Sleutjes (PSL-PR), que acompanha as negociações pela
bancada ruralista.
Em outra frente, o
polêmico perdão desses débitos, promessa de campanha do presidente Jair
Bolsonaro, também vem sendo estudado e não está descartado pela Economia. A medida,
porém, é considerada delicada: é preciso prever espaço no Orçamento para cobrir
a eventual renúncia fiscal, com risco de Bolsonaro vir a sofrer um processo de
impeachment por crime de responsabilidade fiscal.
A alternativa mais
agradável ao Ministério da Economia seria incluir uma anistia às dívidas com o Funrural na reforma tributária que o governo deve
encaminhar ao Congresso. “O governo já nos chamou para uma reunião e espero que
seja para anunciar o combinado com o Paulo Guedes: a remissão”, diz o deputado
Jerônimo Goergen (PP-RS), autor de um PL que propõe a
anistia.