Valor Econômico, v. 20, n. 4872,
02/11/2019. Internacional, p. A13
EUA ameaçam bloquear o orçamento da
OMC
Assis Moreira
Os EUA ameaçam bloquear a aprovação do orçamento da Organização Mundial do
Comércio (OMC) para o ano que vem, o que dificultaria de vez o funcionamento da
entidade que regula o comércio global e é rotineiramente criticada por Donald Trump.
A OMC custa US$ 197 milhões por ano,
e há vários anos esse orçamento não cresce. Os EUA são o maior contribuinte,
com 11,6% do total. A China vem em segundo, com 10% em 2019. Mas, em 2020,
Pequim deverá elevar sua cota para algo próximo da americana, por ser o maior
exportador e o segundo maior importador mundial.
O Valor apurou que Washington acenou
agora com a ameaça de bloquear o orçamento de 2020 se continuar sem receber
detalhes dos gastos com os juízes do Órgão de Apelação, uma espécie de corte
suprema do comércio internacional - e que há anos é alvo de reclamações
americanas.
Os juízes não são funcionários da
OMC e recebem conforme o trabalho na solução de conflitos entre os países. A
suspeita americana, segundo fontes que acompanham as discussões, é que os
árbitros estariam recebendo somas vultosas.
Em meio à pressão americana, o
secretariado da OMC está preparando os dados sobre os gastos com os juízes do
Órgão de Apelação. Só que, conforme fontes, há uma discussão sobre como fazer
isso, já que só há atualmente três juízes fazendo o trabalho dos sete que
normalmente formam o Órgão de Apelação.
Ou seja, os três ainda em atividade
passaram a ganhar muito mais em razão de carga excepcionalmente maior de
disputas para resolver.
A questão é o que fará o governo Trump diante da “distorção financeira” que poderá aparecer
no relatório a ser apresentado ao Comitê de Orçamento, no dia 12, quando os
países-membros voltarão a discutir o tema. Certas fontes falam de ganhos por
juiz que superam salário de presidentes de países, e que Trump
poderia utilizar isso como pretexto em ataques à entidade - sem ponderar que as
tarefas dos juízes se multiplicaram.
Há dois anos que os EUA bloqueiam a
nomeação de novos juízes. Aqueles que terminaram seus mandatos não foram
substituídos. O Órgão de Apelação entrará em colapso em dezembro, quando
restará apenas um dos sete juízes em atividade, uma chinesa.
Washington reclama que os juízes da
OMC tomam decisões que vão além do que os países aceitaram nas negociações. Os
EUA sempre quiseram enquadrar o mecanismo de solução de controvérsias da OMC,
para blindar a defesa comercial americana (medidas antidumping, antissubsídios e de salvaguarda), mas sofreram várias
derrotas por práticas incompatíveis com com as
regras multilaterais.
Para maior irritação americana, na
sexta-feira uma arbitragem da OMC autorizou a China a retaliar os EUA em até
US$ 3,57 bilhões por ano. Isso porque Washington utilizou uma metodologia para
calcular dumping, nas importações procedentes da China, considerada
inconsistente com as regras globais, e não a modificou.
Nenhum país apoia abertamente os
EUA, nem mesmo os mais alinhados ao governo Trump, no
ataque ao orçamento da OMC. O sentimento é de que já há crise demais. E que a
tentativa deveria ser de se arranjar uma solução, mesmo que provisória, para
evitar o Órgão de Apelação deixe de resolver disputas milionárias entre os
países, que se acumulam. Qualquer solução sobre o orçamento da OMC precisa ser
por consenso.
O Brasil deveria pagar US$ 2,39
milhões à OMC em 2019, ou 1,2% do total. Mas só pagou a metade da contribuição
do ano passado e está devendo a deste ano, correndo o risco de entrar na lista
dos inadimplentes se essa situação continuar.