Valor Econômico, v. 20, n. 4872, 02/11/2019. Internacional, p. A13

Processos contra Cristina serão desafio para novo governo na Argentina

Marina Guimarães 


O cenário judicial para a vice-presidente eleita da Argentina, Cristina Kirchner, será um desafio para o presidente eleito Alberto Fernández. Ele disse em várias ocasiões ser a favor de que a Justiça investigue a fundo os nove processos que correm na Justiça, com cinco pedidos de prisão preventiva de Cristina. Mas, quando assumir o cargo, em 10 de dezembro, terá o poder de influenciar o destino de alguns dos processos contra ela.

“Será uma prova de fogo para a independência da Justiça argentina. Se os processos não avançarem é um sinal de que a Justiça não é independente da política”, disse ao Valor a titular do Escritório Anticorrupção (OA), Laura Alonso.

Vinculado ao Ministério de Justiça, o OA é encarregado de vigiar a administração pública para fortalecer a ética, a transparência e investigar denúncias de corrupção. Porém, Alonso pertence ao partido do presidente Mauricio Macri (Proposta Republicana /PRO) e, inicialmente, o cargo deveria ser ocupado por advogados e ela é formada em Políticas. Macri mudou a lei para poder nomeá-la.

A maioria dos processos em andamento contra Cristina e seus dois filhos, Máximo e Florencia, é por suspeita de corrupção e lavagem de dinheiro. Florencia está doente e foi levada para Cuba para tratamento médico.

Entre os processos mais avançados está o de obras públicas na província de Santa Cruz, no qual a ex-presidente é acusada de ser parte de uma associação ilícita que teria fraudado o Estado ao conceder 51 contratos de 46 bilhões de pesos para favorecer um grupo empresarial amigo. Por esse caso estão presos o ex-ministro de Planejamento Julio De Vido  e outros ex-funcionários.

A Justiça argentina deve iniciar no próximo ano o julgamento de Cristina, Florencia e Máximo por lavagem de dinheiro em dois casos, o Hotesur e o Los Sauces.

Na semana passada, a Justiça rejeitou a denúncia contra Cristina em dois processos menores, mas aceitou a acusação de participação dela como chefe de um esquema de associação ilícita conhecido como “caderno das propinas”, que cobrou subornos durante 12 anos.

“Cristina está sofrendo um lawfare [guerra judicial] a mesma que sofreram Dilma e Lula no Brasil, [Fernando] Lugo, no Paraguai, e [Rafael] Correa, no Equador”, rebate o advogado da vice-presidente eleita, Gregório Baldón, em entrevista ao Valor. Para ele, essa guerra jurídica é uma estratégia para a América Latina, que consiste em unir juízes, grandes conglomerados da mídia, poder Executivo de centro-direita para perseguir governos nacionalistas e populares de centro-esquerda.

“Em alguns países conseguiram, como no Brasil, mas na Argentina não puderam destruir o princípio de inocência, pelo qual o suspeito de cometer um crime somente é imputado e condenado após ter uma sentença firme”, disse Baldón, referindo-se ao trâmite da sentença até a última instância.

Todos os processos se encontram em andamento e não há nenhum concluído. Por isso, o presidente do Senado, Federico Pinedo (PRO), rejeitou o pedido de suspensão do foro privilegiado da senadora [Cristina], solicitado pelo juiz Claudio Bonadio desde 2017.

No caso de algum processo chegar até a sentença definitiva, para cumprir pena, Cristina precisa ter seu foro privilegiado como senadora suspenso, o que exige uma maioria de 2/3 do Senado.

Após 10 de dezembro, a votação é outra, disse Gonzalo Márquez, advogado associado Sênior da Área de Compliance, Anticorrupção e Investigações de Marval, O’Farrell & Mairal - um dos maiores escritórios da Argentina. Como vice-presidente empossada, a suspensão do foro privilegiado passa por um processo de impeachment, com aprovação da Câmara

 e do Senado, em sessão conjunta com 2/3 dos votos. “Todos os processos são confidenciais e não há acesso ao expediente para saber qual o nível de comprometimento dos acusados e as provas que existem.”

O analista político e jornalista Eduardo Van der Kooy considera muito difícil que algum dos processos seja confirmado pela Corte Suprema, onde Fernández têm um trânsito privilegiado para liberar a companheira de chapa e os filhos dela dos processos. Segundo ele, dos cinco magistrados, quatro tem boas relações com Fernández. “Depois de [Carlos] Menem, que teve uma maioria automática na Corte Suprema, Alberto é quem tem maior experiência com a Corte. Tem vínculo com todos os juízes.”