Valor Econômico, v. 20, n. 4872, 02/11/2019. Legislação & Tributos, p. E2

China: as relações comerciais e o compliance  

Luiza Chang
Ana Gloria Souza



Falar sobre negociação com a China é um tema que está em alta no mercado. Contudo, aqueles que conhecem um pouco mais a fundo a cultura chinesa sabem que as relações comerciais com chineses trazem consigo diversos pressupostos, que devem ser observados e aplicados diligentemente. Geralmente, o estreitamento dos laços é uma tarefa mais complexa do que aparenta à primeira vista.

O guanxi, em tradução literal, quer dizer que relacionamento é essencial para que qualquer relação comercial duradoura seja construída com empresas chinesas. Para ter um bom guanxi é necessário desenvolver quatro aspectos: tempo, face, respeito e confiança.

Significa dizer que, ao fazer negócios com chineses é preciso ter em mente que se trata de relação a ser desenvolvida a longo prazo, na medida em que respeito, confiança e face - mianzi que está intimamente ligada ao conceito de reputação - somente são construídos com o passar dos anos.

Nessa esteira precisamos compreender que para desenvolver os quatro pressupostos acima, deve-se também respeitar outras minúcias culturais, que fazem toda a diferença na construção de um bom guanxi. Dentre essas minúcias está o sistema de troca de presentes.

A troca de presentes é uma prática recorrente ao se fazer negócios com chineses e é cercada de simbolismos. Culturalmente, é extremamente comum que em uma reunião de negócios haja troca de presentes entre os presidentes das empresas.

À primeira vista, o sistema de troca de presentes chinês pode parecer um método que visa comprar uma relação comercial, o que violaria o programa de compliance das empresas envolvidas na negociação.

Contudo, conforme será demonstrado ao longo do texto há formas de se equilibrar essa cultura chinesa de troca de presentes com as normas de compliance de determinada empresa.

Para verificar se a troca de presentes observa as normas de compliance, devem ser analisados os seguintes fatores: qual a intenção por trás daquele regalo, se ele está dentro dos padrões estabelecidos nas políticas internas da empresa e se sua entrega/ recebimento foi feita de modo transparente com comunicação ao departamento de compliance.

Sob este prisma, é necessário que alguns paradigmas acerca do compliance sejam quebrados. Tornou-se bastante comum entender que as políticas de compliance são “deal breakers”. Todavia, o real objetivo de tais políticas é proteger a reputação da empresa e garantir que os novos negócios sejam realizados de forma transparente.

Desse modo, antes de dar/receber um presente ou brinde é fundamental que o funcionário primeiro reflita acerca do motivo por trás daquela gratificação, se é de fato apenas uma cortesia despretensiosa ou se há uma intenção oculta de receber vantagens para empresa, recompensar alguém como contrapartida a suas atividades profissionais, influenciar uma decisão ou ainda se o presente está condicionando a concretização de determinado negócio.

Além disso, é imprescindível que a pessoa jurídica tenha bem definido em seu código de ética e conduta - principal norma interna da empresa que servirá de guia para as demais políticas - ou em sua política de presentes e hospitalidade um valor máximo para o recebimento e entrega de presentes, o qual deverá ser observado por todos os colaboradores.

Esse tipo de cautela não encontrará qualquer resistência por parte dos representantes das empresas chinesas com as quais se espera fazer negócios, na medida em que as políticas de compliance também são extremamente importantes para os chineses, ainda mais se considerarmos que as grandes empresas chinesas possuem sua matriz ligada ao governo da  China, sendo a corrupção crime com pena capital no país.

Outra questão importante é a transparência na entrega de presentes e que qualquer presente recebido fora dos valores permitidos seja comunicado ao departamento responsável pela área de compliance na empresa.

Por fim, é preciso cautela redobrada quando se trata de oferecimento de brindes ou presentes a agentes públicos, em especial agentes públicos estrangeiros, pois dependendo da intenção do presente poderá ser configurado como uma vantagem indevida, e a empresa será punida não somente à luz da Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção brasileira) mas também por outras legislações internacionais de combate a corrupção como o FCPA (Foreign Corrupt Practices Act). 

Nesse sentido, é importante ressaltar que a troca de presentes chinesa envolve uma série de especificidades sobre como entregar e receber tais presentes, quais dar, quais evitar, quais cores usar, e dentre tais regras também está incluso o valor do presente. Culturalmente, o presente não pode ser demasiadamente barato, tampouco demasiadamente dispendioso.

Assim, não há nada de ilegal na troca de presentes realizada com o intuito de gerar afeto, relacionamento e vínculo com determinado parceiro comercial, desde que esta troca seja feita sempre com a devida cautela, observando-se as normas legais e os códigos de conduta da empresa, para que as relações comerciais dali advindas respeitem não apenas a cultura chinesa, como também garanta a proteção da imagem e da reputação de ambas as empresas envolvidas.

Luiza Chang e Ana Gloria Souza são advogadas do China Desk de Kincaid Mendes Vianna Advogados

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