Valor Econômico, v. 20, n. 4873, 05/11/2019. Brasil, p. A4

Uso de fundos públicos não reduzirá dívida bruta

Fabio Graner


Ao contrário do que foi ventilado pelo próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, a desvinculação dos mais de 200 fundos que está sendo preparada pelo governo não reduzirá a dívida bruta do governo geral. Técnicos ouvidos pelo Valor apontam que a medida é neutra do ponto de vista da dívida bruta do governo geral. Mas, no governo, fontes destacam que a medida deve trazer melhoras para a questão da “regra de ouro” das contas públicas e para a gestão fiscal.

O diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto, explicou que a opção de usar o dinheiro dos fundos para reduzir a necessidade de emissão de dívida mobiliária (em títulos) no fim das contas será compensada pelo aumento nas chamadas operações compromissadas do Banco Central, mantendo a dívida no mesmo patamar em que se encontraria antes da mudança.

Para ele, outra questão relevante e que não está clara é se haverá uma desvinculação dos fluxos futuros desses fundos. Se houver essa retirada de carimbo e os recursos hoje parcialmente gastos nas áreas definidas pelas legislações vigentes não o forem mais, poderá haver melhora no resultado primário. Mas, se forem direcionados para outras áreas, o resultado também seria neutro, explica Salto.

Na área econômica, mesmo reconhecendo-se que tecnicamente a dívida bruta não será afetada, a revisão dos fundos e seu uso para amortizar títulos teria uma série de efeitos positivos, entre eles o reforço no caixa do Tesouro para enfrentar momentos de turbulência na gestão da dívida em títulos, apoio para o cumprimento da “regra de ouro” das contas públicas, maior transparência e eficiência na gestão da chamada conta única do Tesouro e direciona o resultado primário do setor público para sua função principal, que é pagar a dívida. “A medida se justifica totalmente pela eficiência que traz à gestão”, afirmou ao Valor uma fonte da área econômica.

No caso da “regra de ouro”, a explicação sobre a medida dos fundos é que, permitir o uso desse dinheiro para o abatimento de dívida reduz a necessidade de operações de crédito pelo Tesouro Nacional. Como a “regra de ouro” trata da relação entre financiamento e as despesas de capital (investimentos), a medida ajudaria o governo a cumprir esse dispositivo. Nesse ano e também para o ano que vem, o governo tem que pedir autorização ao Congresso para tomar empréstimos e cobrir suas despesas correntes, o que é vedado pela “regra de ouro”. Em 2020, o pedido de autorização é da ordem de R$ 362 bilhões.

A autorização para que se use fundos públicos para o pagamento de dívida faz parte do conjunto de medidas que o governo está prestes a anunciar no seu plano de transformação do Estado. O ministro Paulo Guedes tem defendido a necessidade de se reduzir indexações, vinculações e obrigações do Orçamento público, e essa iniciativa está nesse contexto, dando maior margem de manobra para os gestores públicos.

Inicialmente, a equipe econômica também queria mexer no acesso aos fundos constitucionais, mas essa hipótese esfriou diante das resistências fortes e previamente manifestadas por lideranças do Congresso, especialmente das bancadas de Nordeste, Norte e Centro-Oeste, que detêm esses fundos.

Além desse movimento, o governo vai anunciar medidas para poder acionar gatilhos de redução de despesas obrigatórias, para abrir espaço para investimentos públicos sem prejudicar o limite de despesas imposto pelo teto de gastos públicos do setor público. A ideia é acionar medidas como a redução de jornada de trabalho de servidores públicos com redução de salários, congelar promoções nas carreiras do funcionalismo federal, bem como proibição de concursos e contratações, além de redução de benefícios financeiros e tributários concedidos pelo Estado.