Título: Acordo com UE não está no fim da linha
Autor: Gisele Teixeira e Riomar Trindade
Fonte: Jornal do Brasil, 08/11/2004, Economia, p. A17

Celso Amorim nega fracasso nas negociações e prevê avanços em 2005

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, quer fazer do limão uma limonada. Ao contrário do que pensam alguns especialistas, o chanceler acredita que a troca dos comissários da União Européia pode ser positiva para o Mercosul e para as negociações com vistas à criação de uma área de livre comércio entre os dois blocos. - Esse tempo pode ser extremamente útil para nós. Uma certa pausa não é de todo má, salvo para aqueles que pensam no curto prazo - afirmou Amorim.

Ao fazer um balanço das ações do Itamaraty este ano, e das metas para 2005, o chanceler considerou as discussões da Rodada de Doha, na Organização Mundial do Comércio, uma prioridade. E o Mercosul, que ''estava virando uma espécie de queijo suíço'' na definição dele, precisa encontrar seu rumo. A descoberta do caminho exigirá uma visão mais estratégica que a de hoje.

As negociações entre União Européia e Mercosul entraram num ritmo mais lento neste fim de ano após a reunião das duas partes, em Lisboa. Ali se definiu a prorrogação das negociações sem prazo para a conclusão. O próximo encontro ministerial acontecerá no primeiro trimestre de 2005. A lacuna não é vista como um problema para o Itamaraty, principalmente pelo fato de o Brasil estar em fase de negociações inéditas. Não há pressa.

- Estamos em terra incógnita e para muitas coisas ainda não temos respostas. Em várias áreas que eles (os europeus) estão interessados, como serviços, precisamos ir testando, porque é tudo muito novo. E todos sabem o que acontece com os apressados - argumentou.

O ministro afirmou-se confiante no avanço das conversas em 2005 e destacou que, tanto em relação à Área de Livre Comércio das Américas (Alca) quanto à União Européia, os atrasos não são uma perda de oportunidade.

- Ao contrário, se tivéssemos fechado os acordos apressadamente, teríamos comprometido gravemente a possibilidade de desenvolvimento brasileiro em bases autônomas - acrescentou.

O governo é pressionado por empresários que. por seu lado, estão divididos entre os que colocam a política comercial no centro das conquistas dos mercados e os que querem preservar políticas industriais e tecnológicas mais protecionistas. Líderes do agronegócio chegaram a dizer que iriam ''cobrar dos responsáveis'' o acesso a mercados e investimentos necessários para crescer.

Amorim até compreende que muitos empresários, sobretudo os de setores mais competitivos, olhem o futuro pelo ângulo do ganho imediato, mas ressaltou que o governo tem de se deter sobre o Brasil como um todo e há setores industriais com sensibilidade.

- O agronegócio é muito importante, traz divisas para o país e é responsável por boa parte do superávit brasileiro, mas a indústria também é importante. O Brasil não vai voltar a ser um país essencialmente agrícol. Terá de buscar um equilíbrio, desenvolver uma indústria de serviços e a capacidade de manter uma regulamentação dos setores - ressaltou.

Para Amorim, não há contradição entre indústria e agricultura. Entende, contudo, que o ganho tem de ser suficientemente grande para compensar os sacrifícios que eventualmente serão necessários.

- Não havia esse balanço até agora. Temos a obrigação de olhar o conjunto - avaliou.

O chanceler afirmou confiar na percepção da Europa.

- Ter a possibilidade de fechar um acordo importante, para valer, com um mercado como é o Mercosul, que pode até vir a se expandir, é algo importante. O valor político, estratégico e econômico é talvez até maior para eles do que para o Brasil.

Na opinião de Amorim, a aproximação entre os dois blocos obteve alguns avanços este ano. Um foi a possibilidade de começar a analisar os limites e os pontos sensíveis do comércio internacional.

- Isso nunca tinha sido feito. Tudo era falado de maneira muito abstrata. Vamos abrir o setor de serviços, abrir o setor bancário. Mas na hora de ver o que se pode fazer na prática, é mais complicado - explicou.

Inversamente, no caso das pretensões brasileiras em relação à União Européia, a análise se sofisticou.

- Começamos a discutir números, mesmo que até agora o que tenha sido acenado pelos europeus ainda seja insuficiente - acrescentou.

Na Organização Mundial do Comércio (OMC), há motivos para comemorar. O Brasil ganhou dois contenciosos, contra os subsídios americanos ao algodão e europeus ao açúcar. Além disso, o país chegou ao centro das decisões da Rodada de Doha, ao lado dos Estados Unidos, UE, Austrália e Índia - como coordenador do G-20. Tal movimento tem ajudado no avanço das negociações agrícolas na Organização Mundial do Comércio.

Para o chanceler Amorim, o Brasil teve um papel fundamental no processo. Conseguiu que as negociações deixassem de ser feitas por meio de papéis ''que vinham da presidência, e eram rejeitados pelos grupos'', e começassem a incluir os principais interlocutores na mesa.

- E foi isso que a gente fez. Fez ativamente e correndo riscos.

Em 2005, os trabalhos na OMC serão prioritários. Amorim avaliou que irá levar todas as negociações em paralelo, ''mas se algo vier pelo conjunto, não há porque pagar na bilateral''. Lembrou que a organização de comércio é um bom exemplo de que não há motivos para pressa. O documento aprovado em Genebra é bem mais equilibrado do que o texto que pautou a reunião de Cancun.

- Na época, muita gente disse que havíamos perdido uma oportunidade. Mas um ano depois fechamos um acordo muito melhor, em Cancun. Nessas outras negociações, também é preciso olhar dessa forma.