O Estado de São Paulo, n. 46785, 20/11/2021. Notas & Informações p.A3
Ninguém se dirá surpreso com o aumento do desmate na Amazônia – políticas públicas têm consequências e sua destruição também –, mas a aceleração é estarrecedora mesmo para o mais sombrio dos pessimistas. A devastação, que no primeiro ano do governo atingiu a maior área em uma década, cresceu no segundo ano e no terceiro explodiu. A situação está fora de controle.
Segundo o Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais, entre agosto de 2020 e julho de 2021 foram desmatados 13.235 km², o maior volume desde 2006. A diferença é que naquele ano o desmate estava em queda, chegando ao menor patamar histórico, 4.571 km², em 2012. O aumento galopante dos últimos 12 meses, quase 22%, não era observado desde 1998, quando subiu 24%. Desde que Jair Bolsonaro assumiu o governo, o volume dobrou.
A fiscalização diminuiu na proporção inversa. O País registrou o menor número de multas ambientais em 20 anos. Em 2019 e 2020 os autos de infração contra a flora caíram pela metade em relação à década anterior. O governo fechou unidades do Ibama, não renovou o quadro de fiscais e alterou regras para dificultar a autuação e facilitar anistias.
O volume de demissões e afastamentos de servidores ambientais em 2020 foi o maior desde 2010. Se a quantidade de denúncias de assédio da Associação dos Servidores do Meio Ambiente (Ascema) não fosse indício suficiente de que o recorde de processos disciplinares não se presta a retificar condutas irregulares, mas a perseguir ambientalistas, o testemunho do próprio Bolsonaro basta. Já em meados de 2019, ele comemorou a queda nas autuações. “E vão continuar diminuindo. Vamos acabar com esta indústria da multa no campo.”
O resultado veio a galope. Já em 2019, as invasões a terras indígenas cresceram 135%. Em 2019 e 2020 abriram-se as maiores áreas de garimpo nessas zonas desde os anos 80, e a destruição de florestas pela mineração ilegal aumentou dez vezes.
As consequências são catastróficas. Os desmates e queimadas respondem por quase metade das emissões de CO2 do País – que, em 2020, aumentaram 9,5%, enquanto as emissões globais caíram 7%. Além disso, afetam o regime de chuvas. Secas mais longas intercaladas por chuvas mais fortes impactam os biomas, as safras e a matriz energética e têm consequências letais no caso de enchentes.
A má-fé não está só na destruição ambiental, mas também na sua dissimulação. O governo tinha conhecimento dos dados em meados de outubro, mas impôs sigilo para não divulgá-los na Conferência Climática da ONU (COP).
Tal como o desmate é uma violência direta ao meio ambiente, a falta de transparência é uma violência direta ao direito dos brasileiros de acesso à informação. Além disso, as sequelas socioeconômicas são brutais. O princípio do crescimento econômico é o crédito. Quando os compromissos (como os assumidos na COP) e os dados do governo não são críveis, a credibilidade do País evapora e os investidores fogem. Autoridades internacionais, em parte por genuína preocupação ambiental, mas em parte por demagogia e para proteger seus próprios agricultores, ameaçam o agronegócio nacional com boicotes e sanções. A desconfiança produzida em doses industriais pelo governo é o pretexto perfeito para levá-los a cabo.
Assim, desencadeia-se um círculo vicioso. A falta de recursos internacionais para a proteção da Amazônia agrava o desmatamento. A queda nos investimentos e as sanções ao agro empobrecem toda a sociedade, em especial os produtores rurais e em particular os mais pobres, que acabam recorrendo a práticas ultrapassadas e predatórias para compensar suas perdas.
Os demais Poderes da República precisam coordenar esforços para a preservação de políticas de Estado – como o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento, principal responsável pela redução de 83% do desmate entre 2004 e 2012, que foi abandonado pelo governo – e para frear a marcha da destruição, até que a sociedade ponha um basta a ela nas eleições de 2022. Até lá, o custo Bolsonaro só tende a aumentar e, depois, ainda onerará o Brasil por anos.