O Estado de São Paulo, n. 46785, 20/11/2021. Política p.A10

 

PF pede ao Supremo para investigar desvios por meio do orçamento secreto

 

Breno Pires

Pepita Ortega

 

A Polícia Federal enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) um pedido para investigar suspeitas de desvios de dinheiro público por meio do orçamento secreto, esquema revelado em maio pelo Estadão. O mecanismo vinha sendo usado pelo governo de Jair Bolsonaro para distribuir bilhões de reais a um grupo de deputados e senadores, com o objetivo de aprovar projetos de interesse do Palácio do Planalto no Congresso.

Os repasses foram suspensos no último dia 5, por ordem da ministra do STF Rosa Weber, que se disse “perplexa” com o uso de recursos públicos em troca de apoio político. A decisão da magistrada foi confirmada pelo plenário da Corte cinco dias depois. Agora, o foco da investigação deverá ser, em um primeiro momento, a suspeita de superfaturamento em pagamentos feitos por meio do Ministério do Desenvolvimento Regional para aquisição de equipamentos agrícolas, incluindo tratores, para prefeituras.

Relatório da Controladoria-geral da União (CGU) identificou sobrepreço der$ 142 milhões em convênios e licitações realizados pela Pasta. Parlamentares utilizaram as emendas de relator para apontar onde e como essas compras deveriam ser feitas. A intenção da PF é saber quem foram os responsáveis pelas emendas. Os nomes dos deputados e senadores por trás do “tratoraço” são mantidos em sigilo graças a um acordo do Executivo com líderes do Congresso para tornar viável o orçamento secreto.

 

BENEFICIADOS. Com base em planilha interna do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) e um relatório da CGU, o Estadão rastreou 30 políticos que enviaram verbas federais para compra de equipamentos agrícolas com suspeita de sobrepreço. Nesse grupo estão o líder do PSL na Câmara, deputado Vitor Hugo (GO); o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), ex-presidente do Congresso; e o relator-geral do Orçamento de 2020, deputado Domingos Neto (PSD-CE).

Os valores destinados às emendas de relator, que têm o código RP9, somaram R$ 16,85 bilhões em 2021. Deste total, R$ 9 bilhões já foram empenhados, termo usado quando o recurso é reservado para pagamento. Como mostrou o Estadão, R$ 1,2 bilhão foi liberado na véspera da votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos precatórios. A medida permite a Bolsonaro criar um programa social no ano em que vai tentar a reeleição.

Em janeiro, o Estadão já havia mostrado que R$ 3 bilhões do MDR tinham sido destinados para 250 deputados e 35 senadores aplicarem em obras nos seus redutos eleitorais. Os repasses ocorreram em datas próximas à disputa pelos comandos da Câmara e do Senado, em fevereiro.

 

COOPTAÇÃO. Para o vice-presidente Hamilton Mourão, o mecanismo é uma “manobra orçamentária em benefício daqueles que apoiam o governo”. Na quarta-feira passada, o vice afirmou, ainda, que o Orçamento vem sendo “sequestrado” pelo Legislativo nos últimos anos.

Pelo menos três deputados e um senador já são investigados pela PF sob suspeita de participação em um esquema de “venda” de emendas no Congresso. Um deles é o deputado Josimar Maranhãozinho (PLMA), que foi alvo de operação no fim do ano passado por suspeitas de desvios de dinheiro público em contratos da área da saúde firmados entre prefeituras aliadas e empresas do próprio deputado. Os nomes dos demais parlamentares investigados pela PF ainda permanecem sob sigilo.

 

Cronologia

Esquema foi revelado em maio pelo 'Estadão'

• Revelação

Em 8 de maio, o Estadão revelou um esquema montado pelo governo federal para aumentar sua base de apoio no Congresso por meio da criação de um 'orçamento paralelo' de R$ 3 bilhões em emendas de relator geral, parte delas destinada à compra de tratores e equipamentos agrícolas por preços até 259% acima dos valores de referência fixados pelo governo.

 

• Negativa e ofensa

Dias depois da reportagem do Estadão, o presidente Jair Bolsonaro disse, em duas ocasiões, que o orçamento secreto era uma 'invenção' e chamou os jornalistas de 'canalhas' e 'jumentos'.

 

• Sobrepreço

Controladoria-geral da União e Tribunal de Contas da União apontam indícios de sobrepreço nas compras feitas por meio do orçamento secreto. Em agosto, a CGU detectou sobrepreço de até R$ 130 milhões em uma megalicitação do Ministério do Desenvolvimento Regional. Em outubro, TCU mandou suspender a compra de máquinas e equipamentos pesados com recursos de emenda de relator-geral do Orçamento.

 

 Moeda de troca

Em 5 de novembro, o governo federal empenhou R$ 1,2 bilhão das emendas de relatorgeral, na semana em que a PEC dos Precatórios chegou à Câmara para votação. O valor oferecido por interlocutores do Planalto pelo voto de cada parlamentar foi de até R$ 15 milhões. A PEC foi aprovada em primeiro turno.

 

• Rosa

No mesmo dia, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, em decisão liminar, suspendeu pagamentos por meio do orçamento secreto até que o plenário da Corte deliberasse sobre o assunto. Na decisão, a ministra se disse "perplexa" com o uso de recursos públicos em troca de apoio político.

 

• Plenário

Em 10 de novembro, o plenário do STF confirma decisão de Rosa e suspende, por 8 votos a 2, os repasses parlamentares feitos por meio do orçamento secreto. Nos votos, ministros criticaram a falta de transparência do mecanismo.

 

• Pedido

A Polícia Federal pediu ontem autorização ao Supremo para investigar indícios de desvios de verbas por meio do orçamento secreto.