Título: Saída pelos fundos
Autor: Paulo de Tarso Lyra e Karla Correia
Fonte: Jornal do Brasil, 22/09/2005, País, p. A3

Meia hora de discurso, nenhum aplauso e um constrangedor ¿Cai fora Severino¿ ecoado da galeria antes do tumulto entre estudantes da Universidade de Brasília e seguranças da Câmara. Este foi o ponto final, colocado na tarde de ontem, no mandato de Severino Cavalcanti (PP-PE), eleito presidente da Casa em 15 de fevereiro de 2005, com 300 dos 513 votos possíveis. O rei do chamado baixo clero se viu obrigado a renunciar, para evitar a cassação, acusado de cobrar R$ 10 mil por mês do dono do restaurante Fiorella, Sebastião Buani. Na despedida, Severino atacou a imprensa, a elite parlamentar, fez um balanço da sua gestão e afirmou, categórico.

¿ Voltarei. O povo me absolverá ¿ ressaltou.

Foi a primeira vez que Severino apareceu na Câmara, desde o seu retorno da viagem a Nova York, há 10 dias. As cadeiras, localizadas no plenário, à direita da Mesa Diretora, foram todas reservadas para amigos e familiares de Severino, vindos de João Alfredo. Severino abriu sua última fala como presidente e deputado citando ¿Os Sertões¿ de Euclides da Cunha.

¿ O sertanejo é antes de tudo um forte. E diante do que estou vivendo, diante das circunstâncias que me cercam de ameaças, escárnio, contestação, tento me lembrar do que essa frase queria dizer para mim ¿ embalou Severino.

Severino prosseguiu lembrando sua origem humilde. Citou seu pai, João Vicente Ferreira, as dificuldades para sustentar a família e a necessidade de trabalhar logo cedo. Engasgou ao declarar que não conhece as agruras do Nordeste pelos livros, mas sim, pela própria experiência.

Relembrou a ida para São Paulo e a transformação em caixeiro-viajante. Neste instante, o ainda presidente da Câmara começou a traçar um roteiro que permearia toda a sua fala. Primeiro, com a tentativa de provar que não enriquecera com a política e que, conseqüentemente, não poderia ser acusado de corrupção.

¿ Severino Cavalcanti empobreceu com a política. Sou hoje a imagem de muitos companheiros que aqui chegaram sem posses, e daqui vão sair ainda mais pobres e devedores ¿ acrescentou.

Depois de resumir sua carreira política, Severino resolveu atacar a ¿elite parlamentar¿, afirmando que tinha sido eleito para mudar uma casa ¿cheia de donos¿, distante da maioria dos deputados, chamada com desdém baixo clero.

¿ Não fui eleito por um partido, nem pelo governo. Pela primeira vez na história da Câmara, o presidente foi eleito pelos deputados ¿ disse.

Severino atacou a imprensa, acusando-a de ultrajá-lo com manchetes mentirosas e textos caluniosos, que só serviriam para vender mais jornais. Defendeu a liberdade da imprensa, mas o rigor da lei ¿para os que enxovalham sem qualquer limite a honra e a dignidade alheias¿. A cúpula do Congresso também foi alvo de Severino.

¿ A elitizinha que não quer largar o osso insuflou contra mim seus cães de guerra ¿ atacou.

Severino mostrou mágoa com a abertura do processo sucessório antes que ele renunciasse, frisou que as acusações contra ele são mentirosas e foram divulgadas por um ¿empresário que precisava da mentira para encobrir as dívidas crescentes de seus restaurantes¿.

¿ Resistirei. Devo isso à minha família, que me conhece e apóia; à Câmara, aos que me elegeram e confiaram em mim ¿ enumerou.

Antes de encerrar, declarou que confia na Justiça Divina e que não renunciou antes com medo de parecer confissão de culpa. Mas que a condenação já tinha vindo pela imprensa e por aqueles ¿interessados em tornar vaga a cadeira de presidente da Câmara¿. Ao confirmar a renúncia às 16h54, nenhum aplauso foi ouvido no plenário.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou, por intermédio de sua assessoria, a certeza de que a Câmara saberá escolher o novo presidente da Casa, comprometido com o fortalecimento da instituição e da democracia brasileira.

¿ Quem quer que seja eleito, o governo continuará a manter o diálogo fluido e construtivo com o Poder Legislativo ¿ reforçou Lula.