O Globo, n. 32712, 28/02/2023. Mundo, p. 16

Recursos 'vultosos'

Eliane Oliveira


Quase 20 dias após os EUA anunciarem seu apoio ao Fundo Amazônia depois de uma reunião entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Joe Biden em Washington, o vice-presidente Geraldo Alckmin afirmou que o enviado especial para o Clima da Casa Branca, John Kerry, comprometeu-se ontem em Brasília a buscar recursos “vultosos” para a iniciativa, o mais estruturado mecanismo global de compensação pelos esforços de contenção ao desmatamento e de apoio a projetos na região amazônica. Kerry iniciou viagem ao Brasil no domingo.

— O enviado John Kerry não definiu valor, mas colocou que ele vai se empenhar junto ao governo, junto ao Congresso americano e junto à iniciativa privada para termos recursos vultosos, não só no Fundo Amazônia, como também outras cooperações —relatou Alckmin, que participou de reunião com Kerry e os ministros do Meio Ambiente (Marina Silva) e da Agricultura (Carlos Fávaro), o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, e a secretária-geral do Ministério das Relações Exteriores, Maria Laura da Rocha, no Itamaraty.

Com o aumento da relevância da agenda climática no cenário externo, e o maior entendimento da importância da preservação da Amazônia para combater as mudanças climáticas, o governo brasileiro considera haver uma grande oportunidade de atrair mais recursos para a iniciativa. No caso dos EUA, porém, fontes do governo reconheceram em janeiro a dificuldade da aprovação rápida de cifras por Washington num momento em que a Câmara é controlada por republicanos, já que qualquer aval depende de um acordo bipartidário.

Fundo descongelado

Há cerca de dez dias, a embaixadora dos EUA no Brasil, Elizabeth Bagley, afirmou que o valor que será doado ao Brasil para combater o desmatamento da Amazônia e promover programas sociais e de desenvolvimento econômico na região será definido juntamente com o Congresso americano. Mas existe a expectativa de Kerry anunciar algo mais concreto hoje, após reunião bilateral com Marina. Na viagem de Lula aos EUA, houve a expectativa de que Washington anunciasse um aporte inicial de US$ 50 milhões, valor considerado baixo por fontes do governo, segundo apuração do GLOBO à época.

Segundo Alckmin, que também é ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio Exterior e Serviços, os principais temas abordados em mais de duas horas de discussões foram, além da mudança climática, o desmatamento, a descarbonização e a transição energética.

— Na área humanitária, está o atendimento a comunidades indígenas e o combate à desnutrição, ao desmatamento e a organizações criminosas que atuam na região —disse Alckmin, referindo-se a projetos financiados pelo Fundo Amazônia.

Criado em 2008, o mecanismo recebeu, em 10 anos de operação, R$ 3,3 bilhões em doações, o que cessou em 2019 por causa de problemas na gestão de Jair Bolsonaro.

Enquanto funcionou, o fundo recebeu aporte de dois governos estrangeiros: Noruega e Alemanha. Além disso, houve doações menores da Petrobras e foram financiados 102 projetos, a um custo de R$ 1,8 bilhão. De acordo com o BNDES, que gerencia a aprovação e contratação de projetos, há no fundo, descongelado logo no início do governo Lula, R$ 3,1 bilhões.

Durante visita do chanceler alemão, Olaf Scholz, a Brasília no fim de janeiro, o governo da Alemanha anunciou que destinará € 203 milhões para ações na Amazônia, sendo € 35 milhões direto para o Fundo Amazônia. Já o ministro do Clima e Meio Ambiente da Noruega, Espen Barth Eidea, anunciou na COP27 em Sharm el-Sheikh, no Egito, a cooperação com o Brasil para a reestruturação imediata do mecanismo.

O fato de o Fundo ser gerido pelo BNDES e passar por auditoria internacional foi reforçado com Kerry, disse Alckmin, assim como a necessidade de até o governo brasileiro ter de disputar projetos com os demais interessados. O compromisso do Brasil com medidas para mitigar os efeitos do aquecimento global é visto de forma positiva pelos parceiros internacionais, que criticavam a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro. Durante seu governo, a Noruega e a Alemanha congelaram sua participação após o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, retirar a sociedade civil dos conselhos gestores de forma unilateral, sem o consenso dos dois países doadores.

— Esta é uma questão grave. Não devemos deixar passar este momento para segurar o aumento da questão do clima. Os EUA tiveram, nesta madrugada, tornados violentíssimos. Na última semana, nós tivemos uma tragédia no litoral (de SP) e simultaneamente seca no sul do Brasil. A mudança climática leva a esses extremos que colocam em risco a segurança, a questão social e a economia. O Brasil tem compromisso de combater as mudanças climáticas —afirmou o vice-presidente.

Novas conversas hoje

Questionada se houve avanço na reunião com Kerry, Marina Silva destacou que foi uma conversa preliminar, que terá continuidade hoje, quando as equipes técnicas trabalharão em questões como o Fundo Amazônia e outras medidas para combater o aquecimento do planeta. Ela lembrou que os dois países têm uma agenda que também inclui a economia de baixo carbono.

— Quem vai anunciar o valor do Fundo é o governo Biden, no tempo dele. Não faremos nada fora das dinâmicas de cada país —disse Marina.

Após a reunião no Itamaraty, Kerry foi ao Ministério da Agricultura, onde foi recebido por Carlos Fávaro. Conforme relato do ministro, eles conversaram sobre a possibilidade de aumentar a cooperação bilateral em pesquisa e desenvolvimento tecnológico em produção sustentável.

—Vamos promover parcerias econômicas e investimentos no Fundo Amazônia. Sugerimos que os recursos que venham do Fundo sejam investidos em pesquisa e ciência — disse Fávaro.

— A preocupação americana é para que o Brasil retorne às boas políticas sustentáveis.