Valor Econômico, v. 20, n. 4874, 06/11/2019. Brasil, p. A2

STF, segunda instância e percepção externa

Assis Moreira


O debate decisivo no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a prisão em segunda instância, nesta semana, coincide com duas publicações na Europa que têm a ver de certa forma com alguns prováveis afetados ou beneficiários do que o tribunal decidir. Uma publicação destaca a dimensão do escândalo da Lava-Jato. A outra reflete uma percepção externa de que a corrupção não diminuiu no Brasil.

Rolando Rossier, reputado jornalista de economia da “Tribuna de Genebra”, o principal jornal da cidade, acaba de publicar um livro intitulado “A Suíça e o dinheiro sujo: 60 anos de casos bancários”. Em 288 páginas, ele aborda 35 casos de dinheiro sujo proveniente de tráficos ilegais de todo tipo, desde corrupção de elites estrangeiras, organizações criminosas ou evasão fiscal, que terminaram camuflados em bancos helvéticos.

“A corrupção abala o Brasil: 1 bilhão de francos suíços e mil contas bloqueadas na Suíça” é o título do capítulo bem condensado que Rossier dedica ao escândalo de suborno envolvendo Petrobras, Odebrecht e outras companhias, funcionários e políticos brasileiros. É o maior caso de corrupção até agora proveniente da América Latina com ramificações na Suíça. Mas pode perder o posto proximamente para corrupção envolvendo a Venezuela e amigos de Nicolás Maduro.

No caso Petrobras/Odebrecht, numerosas empresas de fachada foram utilizadas nas Ilhas Virgens Britânicas, por exemplo. Na Suíça, mil contas, administradas por 40 instituições financeiras, foram investigadas. Uma dezena de bancos suíços entrou no radar da Finma, a autoridade suíça de vigilância do mercado financeiro.  Foram abertos “procedimentos”, na linguagem jurídica, inicialmente contra quatro bancos: Credit Suisse, BSI, Heritage e PKB Privatbank.

Além disso, cerca de 60 “procedimentos penais” continuam pendentes junto ao Ministério Público da Suíça (MPS), dois deles contra instituições financeiras no país. Um desses processos visa o Banco J. Safra Sarasin.Procuradores suíços suspeitam de “falta de organização interna do banco”, que não teria impedido infrações cometidas por funcionários estrangeiros e lavagem de dinheiro agravada.

O escândalo Petrobras/ Odebrecht está longe de acabar na Suíça. O primeiro ato de acusação contra uma pessoa física, um brasileiro-suíço, por cumplicidade no suborno de funcionários estrangeiros e lavagem de dinheiro, ocorreu no fim de outubro.

Até agora, a Suíça bloqueou 620 milhões de francos suíços (R$ 2,51 bilhões no cambio atual) de políticos e funcionários envolvidos na corrupção na Petrobras. Mais de 390 milhões de francos suíços (R$ 1,578 bilhão) foram restituídos ao Brasil. Cerca de 150 demandas de assistência jurídica de diferentes países, principalmente vindas do Brasil, foram enviadas pelo Ministério da Justiça para o Ministério Público responder.

Bernard Bertossa, ex-procurador-geral de Genebra, constata no prefácio do livro de Rossier que, em vários dos escândalos relatados, seus autores ou cúmplices escaparam de qualquer punição, pelo menos em solo helvético. Essa relativa impunidade continua a prevalecer, apesar do reforço da legislação nacional. E, nota Bertossa, numerosos instrumentos de camuflagem continuam disponíveis para complicar ou impedir o desmantelamento de circuitos financeiros pelos quais transitam o dinheiro sujo. São os casos de empresas de fachadas registradas em“países não cooperativos”, trustes anglo-saxões, contas bancárias abertas em alguns Estados dos EUA. A lição é que a criminalidade ligada à corrupção só é possível, em geral, com a colaboração das autoridades dos países de dirigentes corrompidos.

No rastro do escândalo Petrobras/Odebrecht, entrou em vigor o acordo de troca automática de informação bancária modelado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e que inclui Brasil e Suíça.

Além disso, para um pedido de informação mais específica, que ajude investigação aberta pela Receita Federal, por exemplo, os dois países assinaram um acordo para intercâmbio de informações em matéria tributária.

No entanto, nota Roland Rossier, contrariamente ao acordo que a Suíça assinou com países europeus, a troca de informações fiscais com o Brasil não será automática. O artigo 1 dá o tom do limite do acerto bilateral, estabelecendo que as autoridades competentes dos dois países concordaram por um intercâmbio de informações “que sejam previsivelmente relevantes”. Se não é relevante para um dos países, ponto final. Para destacar a nuance, Rossier foca no artigo 2, que diz que as informações fiscais incluirão aquelas “previsivelmente relevantes para a determinação, lançamento e cobrança de tais tributos, recuperação e execução de créditos tributários, investigação ou instauração de processo judicial relativo a matérias tributárias”.

Ao mesmo tempo, o Brasil aparece num índice de corrupção mundial como tendo uma situação pior que a de 2018. A publicação é da Global Risk Profile, empresa suíça especializada em gestão de riscos ligada a serviços. O Brasil é classificado com uma flecha vermelha na 82ª posição entre 199 países - era 79ª no ano passado entre 195 países pesquisados.

Os resultados para 2019 indicam que a corrupção e criminalidade econômica pioraram globalmente, sobretudo nas Américas e na África, e as somas em jogo aumentaram consideravelmente.

No caso do Brasil, essa percepção no exterior persiste apesar das numerosas prisões no rastro das investigações da Lava-Jato.

Bolsonaro e o Posto Ipiranga

Em recente viagem a Tóquio, o presidente Jair Bolsonaro foi indagado em diferentes momentos sobre se pensava em alguma medida para ajudar a economia a crescer mais rapidamente. Na primeira vez, respondeu que quem diz que o Brasil está crescendo pouco não entende de economia e citou o fato de Paulo Guedes ter sido eleito melhor ministro da Economia do ano pela revista britânica “GlobalMarkets”. Na segunda, respondeu que medidas econômicas eram com o “posto Ipiranga”, apelido que dá a Guedes. E, na terceira, tomou outro rumo: “Temos que decolar na economia. Não adianta você ter boas pessoas ao teu lado se a economia não funciona”.

Assis Moreira é correspondente em Genebra. O titular da coluna, Cristiano Romero, está em férias

E-mail: assis.moreira@valor.com.br