Valor Econômico, v. 20, n. 4874, 06/11/2019. Brasil, p. A2

Sem ‘golden share’, Bolsonaro assina projeto para privatizar Eletrobras

Rafael Bitencourt
Daniel Rittner 


Sem “golden share” e com a promessa de destinar R$ 3,5 bilhões em dez anos para a revitalização do rio São Francisco, o presidente Jair Bolsonaro assinou ontem o aguardado projeto de lei que autoriza a privatização da Eletrobras. O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, entregou a proposta ao Congresso e deu o segundo semestre de 2020 como estimativa para concluir a tramitação.

Além da ausência de uma ação de classe especial para o Estado e de menos recursos para o São Francisco, há outras mudanças em relação ao projeto do governo Temer, que chegou à Câmara no início de 2018 e jamais foi levado para votação. Uma das alterações envolve a divisão dos recursos angariados com a capitalização da empresa.

O aspecto prioritário do novo PL, segundo Albuquerque, é a revogação do dispositivo que impede a Eletrobras de ser incluída no Programa Nacional de Desestatização (PND). Em seguida, a proposta prevê uma chamada de capital da qual a União  se absterá de participar, diluindo sua participação e cedendo o controle para acionistas privados. O direito a voto de todos os acionistas - inclusive a União - ficará limitado a 10% do capital e a empresa será transformada em uma corporação.

Com o caixa reforçado, a “nova” Eletrobras deverá aceitar os termos de uma mudança no regime contratual de suas usinas hidrelétricas, o que aumentará o preço do megawatt-hora recebido pela companhia e permitirá a venda de energia no mercado livre. Isso poderá render R$ 16,2 bilhões em pagamento de outorga ao Tesouro.

A cifra não está no PL, mas consta da proposta orçamentária para 2020. Ela equivaleria a dois terços da operação total. O terço restante - R$ 8,1 bilhões - iria para atenuar os gastos da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), fundo responsável pelos subsídios do setor elétrico, com um alívio potencial nas tarifas de energia.  Esse aporte ocorreria em parcelas anuais ao longo de todo o contrato de concessão das usinas.

No projeto de Temer, haveria divisão em três partes iguais: como outorga para a União, para o caixa da Eletrobras e para a CDE. A proposta anterior ainda manteria uma “golden share” com a União e previa R$ 9 bilhões para ações na bacia do São Francisco - R$ 350 milhões anuais nos primeiros 15 anos de concessão das usinas e R$ 250 milhões nos 15 anos restantes de contrato.

Algumas reações no Congresso já mostram o grau de dificuldade que o governo enfrentará. 

O líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM), disse que apresentará uma emenda com “travas de segurança” à privatização: a volta da “golden share” e a criação de um conselho para discutir temas de “segurança nacional” nas privatizações.

O deputado Danilo Cabral (PSB-PE), coordenador da Frente Parlamentar em Defesa da Chesf, afirmou que não basta fazer ajustes no texto do governo. “Não é matéria fria para o cidadão comum.

Do ponto de vista dos atores econômicos, o setor produtivo demonstra preocupação. E existe resistência em parte expressiva dos Estados”.

Para ele, o rio São Francisco é o “principal ativo” para uma estratégia de desenvolvimento do Nordeste e não se pode “entregar as chaves da caixa d’água” para uma empresa privada. 

Cabral deve apresentar hoje um requerimento, em comissão da Câmara, para que o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) façam estudos sobre a precificação da Eletrobras e o impacto tarifário de uma mudança no regime contratual das usinas.

Albuquerque ressaltou que há disposição do governo para negociar o texto enviado. “Estamos em diálogo aberto e permanente. O Congresso tem total autonomia”, disse ontem. (Colaboraram Renan Truffi, Vandson Lima, Fabio Murakawa e Murillo Camarotto)