Valor Econômico, v. 20, n. 4874, 06/11/2019. Brasil, p. A3

Para analistas, avanços podem esbarrar em falta de apoio político
Thais Carrança
Ana Conceição
Anaïs Fernandes 


As propostas de emenda à Constituição (PECs) apresentadas ontem acertam ao dar continuidade à agenda de ajuste fiscal, o que ajuda a atrair investidores para o país, mas podem esbarrar na articulação política deficiente do governo, dizem economistas.

Os projetos contribuem para descomprimir despesas discricionárias, mas seu impacto fiscal e o quanto permitem o cumprimento do teto de gastos são incógnitas. Sem base, o governo pode ver o efeito dos textos ser diluído, como ocorreu na PEC da Previdência.

As PECs chegam ao Congresso num momento em que a janela para reformas está se fechando e com um presidente que já não tem o mesmo capital político, avalia Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos. “Ainda é preciso fazer a agenda de ajuste fiscal, tanto por questões de curto prazo, de cumprimento do teto, quanto para uma melhor alocação de recursos da economia”, diz Zeina. “Mas estamos falando de emendas à Constituição, com a entrada em temas ainda não pacificados.”

Segundo ela, são discussões que “precisariam ter chegado mais cedo ao Congresso, já que no ano que vem há eleições municipais e medidas como essa ficam mais difíceis [de serem aprovadas]”, diz. A economista teme ainda um “congestionamento” de propostas. “É muito ambicioso, o Brasil precisa discutir esses temas, mas temo não ser uma boa estratégia política.”

Para Zeina, a aprovação pode ser mais fácil para medidas como a divisão de recursos do pré-sal com Estados e municípios. O desenho da proposta, porém, não lhe agrada. “Poderia haver um fundo e a utilização apenas da remuneração desses recursos, e não o valor principal, que acabará sendo usado para custeio.”

Bruno Lavieri, da 4E Consultoria, diz que muito do impacto das medidas dependerá do que sairá de fato do Congresso, além do “timing” da aprovação. “Enxergamos pouca chance de ela entrar em vigor com todo o efeito desejado.”

Com a expectativa de que propostas avancem no próximo ano, elas entrariam em vigor apenas em 2021, dificultando o cumprimento do teto de gastos em 2020, diz Lavieri. “É uma medida de médio e longo prazo, nesse sentido, o cumprimento do teto continua sendo muito difícil no ano que vem.”

Um efeito sobre a trajetória da dívida pública e o resultado primário dependerá de como Congresso e Executivo usarão a liberdade sobre o Orçamento. “A medida facilita atingir melhor resultado primário, ao permitir um corte de gastos mais vigoroso, mas não necessariamente isso vai acontecer, pois depende das decisões do Executivo e Legislativo.”

Segundo ele, um benefício de curto prazo seria a queda do risco-país, que tende a reduzir os juros e o custo de carregamento da dívida. Para Zeina, poderia haver aumento da nota de crédito do Brasil, mas não retornando ao grau de investimento. “Depende da capacidade do país de voltar a crescer”.

Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter, acredita que a PEC Emergencial, por meio da qual o governo pretende economizar R$ 24 bilhões em 2020, tem chances de ser aprovada neste ano. “Há certa viabilidade política porque é preciso resolver a situação dos Estados e dos municípios”, afirma. Mas a PEC tem pontos polêmicos também ao tingir o funcionalismo.

Outras medidas, como a extinção de fundos públicos em que há R$ 220 bilhões parados, devem levar mais tempo, segundo Thaís Zara, economista-chefe da Rosenberg. “Talvez essa seja uma das medidas que mais demorem. São muitos fundos, que provavelmente serão analisados um a um e devem surgir resistências.”

Um problema, na visão do economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, é que as PECs não promovem o investimento público, essencial, para ele, na recuperação da economia. “Vai demorar bastante tempo até que a redução das despesas obrigatórias abra espaço para investimento. E nem sabemos se vai acontecer”, diz. “Tem coerência. Mas é um pacote modesto.