Valor Econômico, v. 20, n. 4874, 06/11/2019. Legislação & Tributos, p. A11

Liberdade econômica ambiental

Luciana Gil Ferreira
Patrícia Mendanha Dias



Desde a edição da Medida Provisória nº 881/2019 até a publicação da versão final da Lei de Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019) muitos questionamentos surgiram sobre os reflexos na área ambiental, especialmente sobre possível flexibilização ao setor econômico.

Não para menos. Em um ano em que o meio ambiente ganhou as capas dos jornais, as preocupações sobre um possível afrouxamento das regras regulamentadoras são, de fato e por oportuno, muito legítimas.

A realidade, todavia, é que as disposições da lei não podem deixar de ser interpretadas com base no ordenamento jurídico existente e específico da temática. A interpretação sistemática e teleológica ganha, aqui, um significado especial.

É o que acontece, em primeiro lugar, na polêmica disposição sobre a dispensa de “atos públicos de liberação de atividade de baixo risco”, cujo conceito foi atribuído à regulamentação do ente estadual, distrital ou municipal ou, residualmente, ao Poder Executivo federal.

Na vigência da MP nº 881/2019, inclusive, já havia sido publicada a Resolução nº 51/2019, versando sobre a definição de “baixo risco”, consistente em uma conjugação de fatores de risco em prevenção contra incêndio e pânico, segurança sanitária e controle ambiental sendo previsto, no Anexo I, a listagem de atividades consideradas de baixo risco sanitário e ambiental.

Na prática, entretanto, será fundamental a verificação caso a caso considerando a legislação aplicável, inclusive em nível municipal e o impacto/porte da atividade no âmbito do licenciamento ambiental para evitar risco na operação que, embora dispensada de autorização pela Lei de Liberdade Econômica, pode estar sujeita a alguma autorização/licença específica pela legislação ambiental.

Outro ponto de discussão diz respeito à possibilidade de autorização ambiental tácita diante do silêncio administrativo, após cientificação do interessado e desde que apresentados os elementos para instrução do processo (artigo 3º, IX). 

Pela legislação ambiental, a aprovação tácita de licenças é expressamente vetada pela Lei Complementar nº 140/2011, que prevê que o decurso dos prazos de licenciamento, sem a emissão da licença ambiental, não implica emissão tácita nem autoriza a prática de ato que dela dependa ou decorra, mas instaura a competência supletiva (artigo 14, parágrafo 3°

Na MP que antecedeu a lei, havia expressa menção à referida lei complementar, prevendo que o prazo específico de análise não se confundia com os prazos para emissão de licença ambiental (artigo 3º, parágrafo 9º). Diante do conflito, o dispositivo da MP foi vetado, sob a justificativa de que não contemplava de forma global as questões  ambientais. Na exposição de motivos, foi fundamentado pela sua inconstitucionalidade por violação à prevenção ambiental, especialmente nos casos de exigência de prévio estudo de impacto ambiental.

Após a publicação da lei, as discussões permeiam sobre a possibilidade de que a aprovação tácita possa se aplicar para autorizações (e não licenças), como de supressão de vegetação, de órgãos intervenientes, entre outras. E, até mesmo, nos casos de renovação de licenças em que não houver alteração de impacto da atividade licenciada, cujos pedidos tenham sido protocolados antes da validade, mas posteriormente à antecedência de 120 dias de sua expiração. Afinal, a Lei Complementar nº 140 veda a emissão tácita somente para os casos de emissão de licença ambiental, sendo omissa em relação às autorizações e/ou renovações.

Vale lembrar que esse tema está, inclusive, dentre as polêmicas discussões do Projeto de Lei Geral do Licenciamento Ambiental (PL nº 3.729/2004). É também o que foi proposto pelo senador Márcio Bittar no Projeto de Lei Complementar nº 71/2019, tendente à alteração do parágrafo 3º do artigo 14 da Lei Complementar nº 140 para dispor que o decurso dos prazos de licenciamento, sem a emissão da licença ambiental, implica emissão tácita e autoriza a prática de ato que dela dependa ou decorra.

O projeto que está, atualmente, na Comissão de Meio Ambiente do Senado Federal teve sugestão de emenda para que a emissão tácita seja aplicável apenas para os empreendimentos que sejam, simultaneamente, de pequeno porte e baixo potencial poluidor, e desde que o empreendedor demonstre o atendimento a regras gerais de controle ambiental e cumprimento das normas de uso e ocupação do solo.

Outro aspecto importante, embora pouco suscitado pela mídia especializada, foi a tentativa da lei de evitar que ocorra transferência de obrigações públicas aos particulares na figura de “medidas compensatórias e mitigadoras” abusivas, inclusive em situações em que a atividade não causar impacto ao que se pretende impor. Situações essas que, para qu

Situações essas que, para quem milita na área, sabe que não são incomuns.

Ao fim e ao cabo, o que deve sempre prevalecer é a máxima segurança jurídica do empreendedor e, em consequência, do meio ambiente, que não pode ficar sujeito às interpretações inconstantes de órgãos reguladores ou divergências entre normas plenamente válidas e eficazes. A análise concreta de riscos e das regras aplicáveis ao caso assumem papel fundamental nesse contexto, minimizando chances de questionamento posterior ou responsabilização indevida.

Luciana Gil Ferreira e Patrícia Mendanha Dias são, respectivamente, sócia e advogada da área Ambiental do Bichara Advogados

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações