Valor Econômico, v. 20, n. 4875, 07/11/2019. Brasil, p. A6

Novos apertos fiscais barram até revisão de salário dos servidores

Ribamar Oliveira
Fabio Graner 


A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Pacto Federativo promove uma série de apertos fiscais que não foram anunciados pelo governo na terça-feira, durante a divulgação do pacote de medidas entregue ao Congresso.

Uma das mudanças é a eliminação da obrigação de revisão geral anual dos salários dos servidores, reajuste que vale para todo funcionalismo, de forma indistinta. A alteração é no artigo 37 da Constituição, que determina que ano a ano o governo tenha que dar alguma correção salarial, mas que já trouxe momentos curiosos, como o reajuste de 0,1% que o governo Lula propôs em 2005 para cumprir esse dispositivo.

O fim da revisão anual aproveita decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF) que disse que os Poderes Executivos de União, Estados e municípios não seriam obrigados a fazer reajustes se não tiverem espaço fiscal. A corte, na decisão de repercussão geral, determina que o Executivo se justifique ao Legislativo ao não fazer a revisão. Se o texto da PEC for aprovado, nem isso será necessário.

Um interlocutor do governo explicou que desde 2012 o governo federal vem deixando de fazer essa revisão determinada pela Constituição. Além disso, explica, a regra teria uma disfuncionalidade que levou a episódios como o de 2005, mas também a reajustes muito superiores à inflação em outros momentos.

O governo, no mesmo artigo, propõe que auxílio-moradia e outros benefícios semelhantes como “abono, auxílio, adicional, diária, ajuda de custo ou quaisquer outras parcelas de natureza indenizatória”, de qualquer Poder, só podem ser concedidos com aprovação de lei específica.

Nesse sentido, a PEC também veda despesas com pessoal de qualquer natureza com base em decisão judicial que não teve trânsito em julgado, ou seja, ainda pode ser revertida com recursos. E proíbe pagamento retroativo desse tipo de despesa.

A PEC do Pacto Federativo tem outra alteração relevante, que é inclusão dos gastos com pagamento de inativos e pensionistas nas despesas do Poder Legislativo municipal. Na prática, isso reduz o espaço para gastos nas câmaras municipais, em especial com o funcionalismo, e libera espaço para o Executivo local fazer uma melhor gestão de suas contas, com mais folga contábil.

Para o consultor da área de Estudos Técnicos da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Eduardo Stranz, em uma análise preliminar a medida é positiva porque racionaliza gastos e dá mais transparência para as contas.  Segundo ele, isso evitaria, por exemplo, a corrida para gastos e contratações sem critério que muitas vezes ocorre nos municípios nos quais as Câmaras de Vereadores estão operando abaixo do limite de 7% de suas receitas.

Outra medida é a inclusão da expressão “pensionista” no artigo 169 da Constituição, que determina a necessidade de cumprimento de limite de despesas com pessoal estabelecido em lei complementar. Alguns Estados e municípios, com aval de Tribunais de Contas, usavam ainterpretação de que pensionistas não deveriam ser contabilizados como gasto de pessoal. Se a PEC federativa for aprovada, explica uma fonte do governo, o conceito passará a ser uniformizado com o que já é praticado e defendido pela União.

O governo incluiu também na proposta a proibição de que as transferências voluntárias que a União fará com os recursos do petróleo sejam utilizados para o pagamento de despesa com pessoal ativo, inativo e pensionista. Ou seja, o governo quer garantir que esse dinheiro, queem 15 anos deve somar cerca de R$ 400 bilhões, segundo a área econômica, tenha uma destinação que não seja cobrir as duas principais fontes de desequilíbrio das contas estaduais e municipais.

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Entre as medidas que foram informadas pelo governo na terça-feira, uma importante e que promete polêmica é a que dá poderes ao Tribunal de Contas da União para anular decisões dos TCEs que sejam contrárias às Orientações Normativas que passará a editar, como se fossem súmulas vinculantes, se o novo pacto federativo for aprovado.

Os TCEs, a partir de eventual anulação pelo corte federal de contas, teriam um prazo para rever sua decisão, a ser definido em lei. Porém, se o prazo não for cumprido pelo tribunal estadual, o texto proposto autoriza o TCU a definir as regras.

Esse fortalecimento da corte federal tem por objetivo brecar a aliança política feita entre tribunais estaduais e municipais com os governos locais que tem permitido o descumprimento de regras fiscais como o limite de gastos com o pessoal. Isso porque os TCEs não raro autorizam exclusões, por exemplo, de gastos com inativos e declaram o gestor em dia com suas obrigações.

Apesar de ontem o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, ter dito que a redução pela metade dos benefícios tributários será compensada de outras formas para não haver aumento de carga, o texto da PEC não traz qualquer menção nesse sentido. 

 O material apenas estabelece o comando de que, a partir de 2026, se os incentivos tributários estiverem acima de 2% do PIB, não poderão ser renovados, tampouco novos terão possibilidade de serem criados. Uma fonte explicou que o compromisso do secretário é sim uma decisão do governo atual, mas não caberia colocar isso na Constituição, em especial tratando-se de decisões que afetarão outros governos.