Título: Vinho brasileiro chega à França
Autor: Samantha Lima
Fonte: Jornal do Brasil, 08/11/2004, Economia, p. A18

Miolo embarca primeira leva da bebida para o país e Rio Sol ganha mercado na Europa

Nos próximos meses, será possível entrar em um refinado restaurante em Paris e, ao pedir a carta de vinhos, deparar-se com um gaúcho Miolo. Ou, em Londres, receber do sommelier a proposta de brinde com um baiano Rio Sol. Os dois produtos são prova de que, outrora ignorados, os vinhos brasileiros estão começando a ganhar respeito. E, o mais surpreendente, em mercados que prezam pela qualidade do que vai à taça. Até o fim deste mês, a Miolo embarcará para a França, pela primeira vez, 1.260 garrafas dos vinhos Quinta do Seival e Cuvée Giuseppe. Produzidos a partir da uva cabernet sauvignon, os vinhos que serão apresentados ao mais tradicional produtor e consumidor de vinhos do mundo foram lançados recentemente no mercado interno e constituem os mais sofisticados do portfólio da empresa, sendo a garrafa vendida ao preço médio de R$ 40 a R$ 50 no Brasil. O produto, desenvolvido recentemente, faz parte do projeto de conquista do mercado externo da empresa, que nos últimos 5 anos consumiu R$ 42 milhões em participações de feiras internacionais e desenvolvimento de produtos destinados a um público mais exigente.

As exportações da Miolo começaram no ano passado, com o envio de garrafas para Estados Unidos, Canadá, Suíça, República Tcheca, Alemanha e Itália. O vinho vendido para o exterior equivale a 5% da produção da empresa, que é de 5,5 milhões de litros por ano.

- Nossa meta é que, nos próximos dez anos, as exportações representem 30% do nosso faturamento - prevê Carlos Eduardo Nogueira, gerente de exportação e marketing da Miolo.

Depois da França, os principais objetivos da vitivinícola são Reino Unido e Japão, cuja aceitação é tida pela empresa como um atestado de qualidade, pelo nível de exigência dos consumidores. A idéia é exportar também para China, pelo potencial de mercado, e para países escandinavos, ''pelo seu interesse por produtos tropicais''.

O mercado europeu começou a receber também, há quatro meses, um genuíno produto do Vale do São Francisco, na Bahia, que há cinco anos passou a produzir uvas viníferas. O Rio Sol é uma adaptação de um produto já disponível no mercado interno, o Adega do Vale. Produzidos em uma parceria entre a portuguesa Dão Sul, a vitivinícola Santa Maria e a distribuidora Expand, os vinhos têm composições ligeiramente diferentes, obtidas com pequena variação das proporções de uvas syrrah e cabernet sauvignon.

- O vinho destinado à exportação é mais frutado, para atender o gosto dos europeus e australianos - explica Sérgio Fonseca, gerente de novos negócios da Expand -

O projeto de desenvolvimento e promoção do produto consumiu R$ 8 milhões. Já foram exportadas 48 mil garrafas para Portugal, Holanda e Noruega. Os próximos a conhecerem o vinho baiano são Inglaterra, Alemanha e Hong Kong, com quem a empresa já fechou negócios.

- O produto brasileiro ainda não tem tradição lá fora - lamenta Fonseca. - É preciso fazer um trabalho de 'catequese', e por isso estamos participando intensamente de eventos internacionais, para apresentar nosso produto.

Mas nem sempre foi assim. O vinho brasileiro já teve um mercado cativo nos Estados Unidos, especialmente na década de 80, para onde eram enviados produtos de uvas brancas. Mas a exportação cessou em definitivo com a disseminação do conceito de que o vinho tinto possui substâncias que fazem bem à saúde, como flavonóides e fenóis, apontados como benéficos ao coração. Tal característica despertou interesse mundial pelo produto. O Brasil, que não tinha tradição nenhuma na produção da bebida, ficou para trás.

Agora, com uma produção que avaliam como de melhor qualidade, os produtores estão sedentos pela conquista do paladar estrangeiro. Um grupo de seis vitivinicultores gaúchos se uniu recentemente à Agência de Promoção de Exportadores Brasileiros (Apex) e, juntos, pretendem investir R$ 2,78 milhões na promoção do produto brasileiro. A iniciativa, denominada Wines from Brazil, tem como meta chegar a 2006 exportando U$ 455 mil, um acréscimo de 88% em relação aos valores atuais.

- Esse número será facilmente ultrapassado, pelo potencial que julgamos que o vinho nacional tem, e pela adesão de outras empresas - diz Carlos Paviani, presidente executivo do Instituto Brasileiro do Vinho.

Uma das preocupações dos produtores foi adequar os produtos brasileiros à exportação e criação de controles de qualidade, o que inclui a criação de normas para os rótulos, desenvolvidas de acordo com a legislação de cada país. A próxima etapa será o investimento na promoção dos produtos em eventos internacionais.

- Este é um caminho para os produtores nacionais, que, embora venham registrando aumento nas vendas internas, estão enfrentando uma concorrência agressiva dos vinhos argentinos aqui dentro. Como o mercado do nosso vizinho se contraiu, eles partiram para cá, com produtos inferiores, porém mais baratos - lamenta Paviani.

Outra medida contra a ressaca dos produtores brasileiros é a elaboração de um plano para dobrar o consumo interno de vinho, que hoje é de dois litros por pessoa, anualmente. Os argentinos bebem 19 vezes mais e dão prioridade aos produtos feitos lá.

- Estamos pensando em propor a criação de um fundo setorial que serviria de fonte para os investimentos em ações que possam aumentar o consumo interno do produto brasileiro. Trata-se de uma medida que também tem cunho social, pois a produção de vinho é capaz de sustentar milhares de famílias de produtores de uva. Nos países europeus, essa é uma estratégia usada pelo governo para manter a população no campo empregada - finalizou.