O Estado de São Paulo, n. 46786, 21/11/2021. Política p.A8

 

PSDB suspende prévias após falhas em aplicativo e amplia crise interna

Eduardo Gayer

Lauriberto Pompeu

Marcelo de Moraes

Um problema técnico no aplicativo de votação usado nas prévias do PSDB obrigou a cúpula do partido a suspender a escolha de seu candidato à Presidência da República e ampliou a crise tucana. A instabilidade no sistema instituído para que filiados do PSDB participassem do processo provocou troca de acusações de fraude e acirrou ainda mais a disputa entre os governadores João Doria (São Paulo) e Eduardo Leite (Rio Grande do Sul).

A decisão de suspender a votação sem ter o resultado final foi tomada após reunião de emergência na sede do PSDB, em Brasília, com a presença do presidente do partido, Bruno Araújo, e dos três candidatos. Além de Leite e Doria, o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio também participa das prévias. A nova data da votação ainda não está definida.

O PSDB espera agora um parecer técnico sobre a eficiência e confiabilidade do aplicativo, o que deve ocorrer até hoje, para definir como será concluída a votação das prévias. Dos 44.700 filiados aptos a votar, aproximadamente 3 mil conseguiram escolher o candidato. O único local onde tudo funcionou normalmente foi o Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília. Ali foram instaladas seis urnas eletrônicas.

A plataforma para votação remota custou cerca de R$ 1,5 milhão e foi desenvolvida pela Fundação de Apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Faurgs). No total, o partido já gastou cerca de R$ 8 milhões com as prévias.

Doria e Virgílio querem agora que o processo seja retomado no próximo domingo. “Não há razão para adiar prévias (para além do dia 28), exceto por aqueles que querem melar”, disse o governador de São Paulo.

O clima nas duas reuniões de ontem entre os candidatos e a cúpula do PSDB foi bastante tenso e houve bate-boca. Aliados de Doria acusam a campanha de Leite de querer ganhar no “tapetão”. O gaúcho, por sua vez, também subiu o tom contra os adversários. “Não queremos adiamento, como eles querem, para o próximo final de semana. Se adiarmos por mais do que 48 horas, as prévias perdem integridade.

Seria um outro contexto, uma outra campanha”, disse ele.

 

TERCEIRA VIA. O fiasco nas prévias tucanas causou preocupação em possíveis aliados do partido nas eleições de 2022. Nos bastidores, dirigentes de legendas de centro-direita, que discutem com o PSDB o lançamento de um nome da terceira via para se contrapor às candidaturas do presidente Jair Bolsonaro e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, disseram que o problema revelou falta de preparo e divisão incontornável entre as alas do PSDB.

O governador paulista sempre foi crítico do uso do aplicativo nas prévias, mesmo porque já havia denúncias de que o sistema apresentava falhas. Um relatório da empresa de segurança cibernética Kryptus também apontava problemas no sistema e destacava a necessidade de ter um plano B para o dia da votação.

A cúpula do PSDB não concordou. Como Leite defendeu a plataforma, aliados de Doria debitaram o problema na conta do governador gaúcho, lembrando que o aplicativo foi desenvolvido no Rio Grande do Sul. Nas redes sociais, tucanos pediram a renúncia de Bruno Araújo, presidente do partido.

Em nota, o PSDB admitiu que o aplicativo não comportou a demanda dos filiados. “Os votos registrados neste domingo estão preservados e o PSDB está definindo, junto com os candidatos, em que momento o processo será retomado”, informou o partido, que até a conclusão desta edição não havia definido quando a votação se encerrará.

 

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Resultado é secundário em legenda desunida

 

Rafael Cortez

 

As prévias tucanas definem não apenas o possível candidato do partido em 2022, mas o nome que pode liderar a legenda em um dos momentos mais cruciais de sua história, em busca do protagonismo que perdeu em 2018, com a vitória do presidente Jair Bolsonaro.

Aquele pleito deslocou o PSDB da organização da competição política no Brasil, colocando um desafio para o partido no próximo ano; retomar o papel de legenda com capacidade de formular e executar um projeto de Nação ou permanecer como sigla satélite no interior da constelação partidária, orientando sua sobrevivência à política local.

Esse delicado momento do PSDB, paradoxalmente, ocorreu justamente quando o PT, seu maior adversário, passou por crises profundas com o mensalão e, depois, a Lava Jato. Se seu maior adversário passa por um processo de impeachment, e seu maior rival não ganha votos, é sinal de risco de sobrevivência organizacional.

Curiosamente, o resultado das prévias pode se tornar secundário diante da falta de coesão entre as lideranças tucanas e de identidade junto ao eleitorado.

O adiamento das prévias significa não apenas mais um capítulo de uma novela marcada pelo questionamento das regras de seleção dos candidatos, mas parece traduzir os dilemas organizacionais.

O partido segue sem um projeto minimamente coeso apoiado por suas lideranças. Se no passado as acusações sobre a falta de unidade e o conflito entre os caciques ficavam atrás das cortinas, o atual momento tucano é marcado por acusações públicas.

Reconquistar uma identidade política é o primeiro desafio do vencedor das prévias. O partido parece repetir o erro de 2018, quando entrou em uma eleição apoiando um governo rejeitado.

Hoje, mesmo sem apoiar o governo Bolsonaro, o PSDB parece não ter encontrado sua marca. Além disso, o partido é ameaçado pelo ex-juiz Sérgio Moro na mobilização da terceira via.

Não por um acaso, a eventual não candidatura a presidente segue como opção dos tucanos.

Assim, o resultado das prévias pode ser secundário diante da falta de união partidária rumo à 2022. Na prática, o atraso traz mais tempo para a solução dos dilemas existenciais.