Valor Econômico, v. 20, n. 4875, 07/11/2019. Política, p. A12

Guedes abre-se para concessões e Alcolumbre concentra articulação
Raphael Di Cunto
Marcelo Ribeiro
Andrea Jubé
Renan Truffi
Vandson Lima


O ministro da Economia, Paulo Guedes, em encontro ontem com mais de 40 senadores na residência oficial do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), disse que tudo poderá ser negociado dentro do pacote de medidas que reformam o Estado, enviado ao Senado. “Ministro da Economia que disser que algum ponto é inegociável, não está preparado para a democracia”, afirmou.

Guedes reiterou que o parlamento é soberano em decidir se algo deve ser alterado. “Ministro não tem voto. Seria uma arrogância tola dizer que tem algum ponto inegociável”, repetiu. Ele não quis precisar um cronograma para as medidas serem aprovadas, mas apontou que, ao contrário do que aconteceu na mudança do sistema de aposentadorias, no pacote de ontem a negociação política aconteceu antes da apresentação das propostas. “A calibragem política [nestas medidas econômicas] foi feita antes do envio, com os líderes e os presidentes da Câmara e Senado”, afirmou.

A sinalização foi bem recebida pelos senadores. O pacote é visto pelo Senado - Casa que iniciará a tramitação das medidas -, como a chance de ouro para alcançar neste semestre o protagonismo perdido para a Câmara. Tanto que, segundo aliados, o próprio Davi Alcolumbre assumirá a articulação política em torno das propostas. Até o momento, a escolha dos relatores de duas das três PECs entregues pessoalmente pelo presidente Jair Bolsonaro agradou o governo. Alcolumbre participou da definição dos indicados.

O relator da PEC do pacto federativo, Márcio Bittar (MDB-AC), é afinado com o Palácio do Planalto. É um dos integrantes da tropa de choque do governo na CPMI das Fake News. Ficará responsável pela proposta mais densa, que dá mais recursos e autonomia financeira a Estados e municípios.

Já o líder do PSD, Otto Alencar (BA), foi nomeado relator da PEC dos fundos, que extingue a maior parte dos 281 fundos públicos existentes hoje e permite o uso de recursos para pagamento da dívida pública. Aliado de Jaques Wagner (PT) na Bahia, Alencar é considerado de perfil independente. Ele disse ter simpatia pela proposta e fará um parecer “sintonizado com o pensamento do ministro Paulo Guedes”.

Um de seus objetivos será viabilizar a criação de um fundo destinado à revitalização do rio São Francisco, como discutiu com Guedes pela manhã. Para Otto, são necessários aproximadamente R$ 3 bilhões por ano, durante 15 anos, para sanar o problema da bacia.

“Guedes disse, na reunião, uma coisa que acabou de me conquistar: falou que se pode fazer um fundo para revitalização do Rio São Francisco, que é minha batalha aqui. Criar esse fundo é fundamental para manter água para o Nordeste”.

Alencar acrescentou que uma das possibilidades seria utilizar a privatização da Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf), subsidiária da Eletrobras, para abastecer o novo fundo. “Ele [Guedes] falou que pode fazer a fusão de alguns [fundos]. Vem dinheiro de onde? Da privatização da Eletrobras. Qual dinheiro? Do valor da Chesf, bota nesse fundo [do Rio São Francisco]. Até porque ninguém vai querer comprar empresa de geração de energia hidrelétrica sem água. E não vai ter água se não revitalizar o rio São Francisco”, argumentou.

O parlamentar baiano também afirmou estar alinhado ao ministro da Economia na questão da desindexação e extinção de fundos. A proposta do governo é de extinguir mais de 240 dos 281 fundos existentes. “Desindexar, desvincular é uma coisa da minha cabeça, estou plenamente alinhado com o ministro Paulo Guedes”.

A expectativa do Planalto, de fato, é que Alcolumbre e o líder Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) toquem a evolução das medidas na Casa, com o reforço dos líderes do governo no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO) e do próprio líder emedebista, Eduardo Braga (AM). Braga já se declarou favorável à desvinculação dos fundos infraconstitucionais para abatimento da dívida.

“Quem tem força mesmo é o Davi”, resumiu o líder de uma das maiores bancadas do Senado. Alcolumbre desconversou: “o articulador é o líder do governo, Fernando Bezerra”.

A única medida ainda sem relator é a chamada PEC emergencial, que cria mecanismos emergenciais de controle de despesas públicas para União, Estados e municípios. Nos bastidores, tem ocorrido um embate porque Alcolumbre não quer que o líder do Podemos, Alvaro Dias (PR), fique com o posto. O senador, contudo, tinha a intenção de tomar para si a tarefa. É justamente a proposta que o governo quer aprovar primeiro. Segundo Bezerra, “a liderança do governo irá se esforçar para que a PEC emergencial esteja aprovada na Câmara e no Senado ainda este ano”.