O Globo, n. 32655, 02/01/2023. Política, p. 8

Diversidade sobe a rampa

Jeniffer Gularte
Sérgio Roxo
Gabriel Sabóia


Com a ausência do antecessor, Jair Bolsonaro, que se recusou a cumprir o rito democrático de transmissão do poder, a passagem da faixa presidencial ontem ganhou um caráter inédito e recheado de simbolismo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva subiu a rampa do Palácio do Planalto ao lado de oito representantes da sociedade civil — havia negros, indígena, uma pessoa com deficiência e um metalúrgico — e recebeu o adereço das mãos da catadora Aline Sousa, uma mulher negra de 33 anos. Resistência, a cadela do casal Lula e Janja, a primeira-dama, também participou do ato.

Responsável por colocar a faixa em Lula, Aline vive no Distrito Federal e trabalha como catadora desde os 14 anos. Ela preside uma rede de cooperativas e é uma das articuladoras nacionais do movimento de catadores. Ao GLOBO, disse que recebeu o convite há dez dias e manteve o segredo, sem ter contado nem mesmo ao marido.

— O Brasil é democrático.

Esta possemos traque este país é do povo — comemorou Aline, filha e neta de catadoras.

Lula subiu de mãos dadas com duas pessoas: ao seu lado direito estava o cacique Raoni Metuktire, de 90 anos, e do outro, o menino Francisco, de 10 anos. Raoni era o nome mais famoso da pequena comitiva da transmissão da faixa. Ele é reconhecido mundialmente como uma liderança na luta pelos direitos indígenas no Brasil. Durante a gestão anterior, chegou a ser criticado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro durante um discurso na ONU.

Francisco, por sua vez, é morador de Itaquera e torcedor do Corinthians, mesmo time de Lula. Ele conta ter sido convidado para fazer parte da cerimônia após ter enviado uma carta ao petista.

— Na carta, eu dizia que acreditava nele. Fui a Curitiba gritar pela liberdade do presidente Lula, fui vê-lo jogando futebol no MST e hoje participei da posse. A crianças acreditam muito no Lula —disse o menino.

Outro integrante do grupo, Ivan Baron é influenciador digital e defensor as políticas de inclusão de pessoas com deficiência. Potiguar, ele tem paralisia cerebral provocada por uma meningite viral. Até a noite de ontem, ele registrava 375 mil seguidores em sua conta no Instagram, espaço que eleu sapara expor aluta anti-capacitista — na descrição, se define como “influenciador da inclusão”. Baron subiu a rampa vestindo um terno branco estilizado que levava nas costas a seguinte frase: “Parem de nos excluir”.

— O povo brasileiro empossou um presidente. Isto mostra um governo que se coloca disposto a ser diverso. A roupa que usei diz muito sobre a representatividade que espero. A moda é política e inclusiva, por isso minha roupa traz frases de empoderamento. Eu tive paralisia cerebral, mas, apesar do nome, isto nunca me paralisou —disse Baron.

ABC presente

Já o metalúrgico Weslley Rodrigues Rocha, de 36 anos, foi escolhido por colegas da central sindical que integra. Ele trabalha no ABC paulista, região onde Lula iniciou sua carreira política, e também tem um grupo de hip hop.

— Sou metalúrgico desde os meus 18 anos. Vim representar a classe trabalhadora. Sou de Diadema (SP) e represento todas essas pessoas. A minha perna tremeu ao chegar ao lado do presidente.