O Estado de São Paulo, n. 46790, 25/11/2021. Metrópole p.A17

 

PF já tenta conter 'Serra Pelada' fluvial na Amazônia

 

André Borges

 

A Polícia Federal articula ações para tentar conter o avanço de centenas de balsas de garimpo ilegal que estão reunidas há dias no Rio Madeira, um dos principais da Amazônia, numa região onde teria sido encontrada uma grande quantidade de ouro por embarcações clandestinas. Outros órgãos federais participam dessa operação, como o Ibama e o Ministério da Defesa.

A informação foi confirmada à reportagem pela superintendência da PF no Amazonas e, depois, pelo Ministério da Justiça. “A Polícia Federal acompanha o caso para adoção das medidas cabíveis com a maior brevidade possível.” A PF não dá detalhes sobre a operação, mas o Estadão apurou que um grande contingente de agentes envolvendo policiais, agentes do Ibama e das Forças Armadas foi destacado, dada a dimensão do problema e os riscos de reações violentas. Em ações desse tipo são utilizadas geralmente drones e aparelhos de telefone satelital.

Conforme o Estadão revelou, garimpeiros já estavam cientes da mobilização policial que pretende dar fim ao que se converteu em uma “Serra Pelada” fluvial. Em mensagem enviada no fim da manhã de quarta-feira, por meio de Whatsapp, um garimpeiro já avisava aos demais que “está saindo de Manaus um comboio de Exército, Polícia Federal e Ibama” para a região onde estão as balsas, nas proximidades do município de Autazes. “Está lotado, mano, e subindo para a banda daí, viu.”

 

REAÇÃO. No comando das balsas clandestinas, garimpeiros também prometeram reação caso sejam abordados. Em outra mensagem de áudio obtida pela reportagem, um homem fala em montar um “paredão” de balsas, com pessoas ao redor dos equipamentos, para reagir a qualquer tipo de abordagem para fiscalização. “Vocês que têm muita balsa aí,

(tem que) fazer um paredão mesmo daqueles e esperar todo mundo aí na frente da balsa. Um atrás, um na frente e ver o que é que dá. Eles vão respeitar, entendeu?”

O garimpeiro lembra ainda episódios em que grupos invadiram e queimaram unidades do Ibama e do Instituto Chico Mendes (ICMBIO) no município de Humaitá, nas margens do Rio Madeira, após agentes dos órgãos ambientais destruírem uma de suas balsas. “Uma vez, quando tocaram fogo numa balsa aqui em Humaitá, nós fomos pra cima. Tocamos fogo no Ibama, tocamos fogo no ICMBIO, tocamos o f..., meu irmão”, diz o garimpeiro.

 

OURO E DANO. Nos últimos dias, centenas de garimpeiros concentraram suas balsas em uma mesma área do rio, após correrem informações de que teria sido encontrada uma grande quantidade de ouro na região. Mensagens obtidas pela reportagem também apontam a “comemoração” pela quantidade de ouro que estaria sendo retirada do leito do Rio Madeira. “Meus colegas dizem que lá embaixo estão fazendo 1 grama de ouro por hora. Mas é certo mesmo, não é mentira”, diz um garimpeiro, em mensagem de áudio.

A lavra clandestina de ouro ao longo do Rio Madeira é um problema histórico e conhecido. Essa mesma atividade criminosa se espalha há décadas por outros afluentes do Amazonas, como o Rio Tapajós, na região de Itaituba. O que chama a atenção no caso atual, porém, é a aglomeração de balsas numa mesma região. Para retirar o ouro do fundo do rio, essas balsas utilizam longas mangueiras, que são lançadas até o leito. Acionadas por geradores, sugam a terra e tudo o que encontram no fundo. O material revolvido é trazido até a balsa e passa por uma esteira, onde é filtrado e devolvido à água. Nesse processo, o ouro fica retido na esteira. Essas operações causam extremo dano ambiental, porque acabam com todo tipo de alimento de centenas de espécies de peixes, comprometem a qualidade da água e geram assoreamento.

 

NADA COM ISSO. O governo do Amazonas se esquivou de qualquer responsabilidade sobre a ação criminosa que reúne mais de 600 balsas clandestinas. Por meio de nota, o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), órgão Estadual responsável pela fiscalização do meio ambiente, declarou que a atribuição de agir contra o garimpo ilegal na região é do governo federal e de órgãos vinculados à gestão do Executivo em Brasília. O Ipaam afirmou que, ao identificar a presença das balsas, comunicou o Ibama para “alinhamento de providências”.

O diretor-presidente do Ipaam, Juliano Valente, declarou que as balsas estão ancoradas no Rio Madeira, em “área de competência dos órgãos federais”. “A regulamentação da exploração mineral na área, conforme o gestor, é de competência da Agência Nacional de Mineração. O licenciamento é de responsabilidade do Ibama, e a atuação, em caso de crimes de exploração ilegal de minério, é competência da Polícia Federal. Ainda sobre a trafegabilidade e de poluição hídrica, o acompanhamento é feito pela Marinha”, afirmou Valente. Segundo o Ipaam, embora a competência de atuação na área seja federal, o governo do Estado “está à disposição para atuar em parceria com os demais órgãos” e, na manhã desta quarta-feira, fez uma reunião de alinhamento com Ibama, Marinha e Polícia Federal.

 

EFEITO LOCAL. A cidade flutuante dividiu a população local. “É muita gente vindo comprar. Aumentou o consumo de carne, de mercadoria”, disse o vereador de Autazes Bandeira Serrão (PV), que diz que “não é contra nem a favor”. “Está trazendo benefício aqui.” Já o motorista Filipe Santos observou que a maioria da população vê de forma negativa. “A gente sabe que a chegada disso aí mexe com droga, prostituição. Alguns foram vistos pelo comércio fazendo compras, tudo com cordão de ouro.”/ COLABOROU BRUNO TADEU, ESPECIAL PARA O ESTADÃO

 

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Ação ilegal leva a um prejuízo socioambiental de R$ 31,4 bilhões

 

Não há dados precisos sobre o volume de ouro contido no leito dos rios amazônicos. Há décadas, porém, as margens e os fundos de grandes rios da margem direita do grande Amazonas, como o Madeira, Tapajós, Jamanxin, Teles Pires e Xingu são alvo de ações criminosas de garimpeiros.

Um estudo realizado neste ano pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) estima que, entre 2019 e 2020, foram comercializadas 174 toneladas de ouro pelo Brasil. Esse volume seria suficiente para encher a caçamba de 11 caminhões "toco" – ou semipesados – de ouro puro. Do total, 49 toneladas saíram de áreas com evidências de irregularidades.

Segundo o levantamento, 13% das áreas de lavra mencionadas como o local de origem do ouro não tinham evidência de exploração, portanto, provavelmente o metal era originário de áreas ilegais. Os demais 87% envolviam áreas exploradas para além das autorizações de lavra de fato concedidas.

Conforme o estudo, assi- nado pelo Centro de Senso- riamento Remoto e o Labo- ratório de Gestão de Servi- ços Ambientais (UFMG), além do Ministério Público Federal, estima-se que o ouro ilegal explorado entre 2019 e 2020 tenha causado um prejuízo socioambiental de aproximadamente R$ 31,4 bilhões.

Um documento elaborado pela organização indigenista Operação Amazônia Nativa (Opan), em parceria com o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) e com a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) aponta que o Estado do Amazonas conta, atualmente, com 2.857 processos minerários ativos na Agência Nacional de Mineração (ANM), em várias fases de tramitação, atingindo uma área de aproximadamente 12.800.016 hectares, o que corresponde a cerca de 8% de todo seu território. Desse total de pedidos, 34% requerem a extração de ouro. Os dados se baseiam em informações oficiais do Sistema de Informações Geográficas da Mineração, banco de dados mantido pela ANM.