Valor Econômico, v. 20,
n. 4875, 07/11/2019. Política, p. A15
Relator da Lava-Jato diz
que mudança não ameaça processos
Luísa Martins
Isadora Peron
Ainda que favorável à prisão após condenação em
segunda instância, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin minimizou ontem os possíveis efeitos da derrubada da
medida nos processos da Operação Lava-Jato, dos quais é relator. A fala do
ministro denota o clima, nos bastidores da Corte, de que a execução antecipada
da pena de fato será barrada pelo plenário no julgamento, cuja retomada ocorre
hoje.
Ao chegar para a sessão
plenária de ontem, o ministro disse, em uma rara fala a jornalistas, que a
eventual mudança de jurisprudência - atualmente, a detenção após sentença de
segundo grau é permitida pelo STF - não ameaça os processos decorrentes da investigação.
“Não vejo efeito
catastrófico”, disse Fachin, que também não crê em um
“libera-geral” como consequência. Segundo ele, no lugar da execução antecipada
da pena, o juiz poderá decretar a prisão preventiva, caso entenda necessário. O
ministro avalia que as solturas não vão se dar de forma automática, mas
analisadas caso a caso.
Com placar parcial de 4
a 3 pela constitucionalidade da prisão após condenação em segunda instância, o
Supremo retoma hoje a análise das ações. A tendência é a de que haja uma
virada.
Com os conhecidos votos
dos ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello (contrários à prisão antes do
trânsito em julgado) e Cármen Lúcia (favorável), a
atribuição de desempatar recairá justamente sobre o presidente do tribunal,
ministro Dias Toffoli.
Ele tem dito que ainda
não concluiu seu voto e que a sua manifestação tem um peso maior em relação às
dos demais colegas: o da cadeira da presidência.
Toffoli
chegou a costurar uma saída intermediária, segundo a qual a prisão ocorreria
após condenação no Superior Tribunal de Justiça (STJ). No entanto, ao
oficializar ao Congresso proposta de alteração na lei para evitar a prescrição
de crimes, fortaleceu-se a tese de que ele irá aderir à corrente do trânsito em
julgado.
De acordo com auxiliares
do ministro, foi a maneira que o presidente encontrou de sinalizar à sociedade
que a queda da prisão após condenação em segundo grau não leva à impunidade -
mas que equacionar isso é a atribuição do Legislativo, enquanto ao STF caberia
puramente interpretar a Constituição.
Embora estejam todos na
mesma corrente de votos, Fachin adota um tom mais ponderado
do que os colegas Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux, que costumam classificar como incentivo à impunidade a
permissão da prisão apenas ao fim definitivo do processo.
“Entendo que não (abre
caminho à impunidade). O que contribui para a percepção de impunidade é o tempo
demasiado entre o início e o fim do processo penal. Esse é o grande desafio que
o Poder Judiciário tem: de iniciar e concluir os processos penais nos termos da
Constituição, em lapso de tempo razoável”, disse ontem o relator da Lava-Jato.
Sobre os impactos do
resultado no caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Fachin se esquivou - afirmou que “ninguém sairá declarado
inocente”, independentemente do resultado. “Estamos apenas decidindo qual é o
marco inicial do cumprimento da pena. Não estamos discutindo se alguém será
declarado culpado ou inocente.”
O ministro ainda disse
ver com simpatia a solução sobre o STJ - caso em que Lula não seria solto, pois
já foi condenado em terceiro grau. “A tese se aproxima do ponto das ideias que
tenho sustentado, de que não é necessário o trânsito em julgado”, disse.
Contudo, para ele, o marco temporal atual ainda é o cenário mais adequado. “Na
segunda instância, acaba o julgamento sobre as provas. O Supremo e o STJ não
reveem provas, não discutem mais os fatos.”
Ontem, Toffoli recebeu um manifesto assinado por apenas 75, dos
513 deputados, em favor da manutenção da jurisprudência. No Senado, uma carta
aberta com o mesmo objetivo teve mais adeptos - 43 dos 81 senadores.
No STF, hoje, está em
discussão o princípio da presunção de inocência. Moraes, Fachin,
Barroso e Fux dizem não haver violação, uma vez que
os recursos às instâncias superiores não podem suspender os efeitos de uma
condenação. Já Marco Aurélio, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski
dizem que a Constituição é “cristalina” ao dizer que ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado.
Caso o Supremo derrube a
medida, a força-tarefa da Lava-Jato prevê que ao menos 38 réus presos sejam
beneficiados, entre eles Lula, preso em Curitiba. Ontem, Fachin
pediu ao procurador-geral da República, Augusto Aras, um parecer sobre a
possibilidade de o ex-presidente progredir para o regime semiaberto.
(Colaboraram Raphael Di Cunto e Marcelo Ribeiro)