Valor Econômico, v. 20, n. 4875, 07/11/2019. Opinião, p. A20

Leilão foi bom para a Petrobras e frustrante para o governo


O maior leilão de petróleo do Brasil terminou de forma decepcionante: com a vitória da Petrobras, a ausência de concorrentes e de ágio, além de dois campos sem ofertas. A licitação dos excedentes da cessão onerosa em quatro campos do pré-sal, pelo regime de partilha, teve participação de 90% da estatal brasileira, com pequena participação, de 5% cada, das chinesas CNOOC e CNODC, no campo de Búzios. A Petrobras venceu sozinha o a disputa por Itapu, sem ágio sobre o percentual de óleo oferecido. A arrecadação do bônus de assinatura esperado, de R$ 106,5 bilhões, reduziu-se a R$ 69,96 bilhões, dos quais R$ 34 bilhões serão pagos à Petrobras pelo acordo que pôs fim à cessão onerosa, após anos de litígios.

Das 14 petroleiras inscritas, entre elas as maiores do mundo, 7 compareceram e só três fizeram os lances vencedores. BP e Total indicaram dias antes que ficariam fora da disputa. Entre os possíveis erros que jogaram os campos no colo da Petrobras, um é certo: houve avaliação exagerada do interesse das petroleiras, o que se refletiu em parte nos valores dos bônus de assinaturas e na calibragem dos ágios. Algumas petroleiras haviam indicado insatisfação com os desembolsos necessários, considerados altos demais na fase inicial dos projetos.

Mas ainda que esses valores não fossem elevados - Búzios, por exemplo, tem estimativa de até 15 bilhões de óleo recuperável, o que é muito - havia um acréscimo ao preço, cuja magnitude era incerta e substancial - o pagamento à Petrobras pelos investimentos feitos nos campos em disputa. Isto é, abriu-se uma megalicitação cujo preço final não foi determinado. Nos bastidores da disputa comentou-se que a fatia de ressarcimento da Petrobras era salgada. A Agência Nacional do Petróleo chegou a calcular esse ressarcimento em R$ 45 bilhões. A Petrobras não revelou publicamente quanto pediria, nem o governo deu qualquer dimensão sobre este custo oculto, enquanto que no mercado se especulava com valores entre R$ 35 bilhões e R$ 135 bilhões. Esse custo oculto foi determinante para a frustração do “maior leilão da história”, como qualificou o presidente da ANP, Décio Oddone.

Frustração parecida ocorreu há seis anos, em outubro de 2013, com o primeiro leilão do regime de partilha do campo de Libra, com 8 a 12 bilhões de óleo recuperável. O governo petista igualmente soltou fogos de artifícios antes da hora sobre o suposto interesse de 14 gigantes do petróleo, que teriam de entregar 41,65% do óleo e bônus de assinatura d

R$ 15 bilhões. Só houve a oferta da Petrobras (40%), com as mesmas chinesas, CNOOC e CNODC (com 10% cada), mais Shell e Total (20% cada). A então presidente da ANP, Magda Chambriard, disse que o leilão tinha sido bom e que traria R$ 1 trilhão de arrecadação para o governo. A cifra foi a mesma repetida agora pelo ministro de Minas e Energia, Beto Albuquerque. Oddone, da ANP, ressaltou, antes da disputa de ontem, que os “recursos do pré-sal poderão tirar os brasileiros da miséria”. Isto possivelmente vai levar mais tempo do que ele imaginava.

Sem euforia, o resultado não foi ruim para a Petrobras. A estatal teve de ampliar mais do que pretendia sua fatia no negócio para salvar a licitação e vai usar dinheiro em caixa para desembolsar cerca de R$ 30 bilhões do bônus de assinatura e ampliar bastante suas reservas. O temor de que para isso tenha de se endividar mais e aumentar sua alavanca alavancagem foi pequeno, assim como foi a magnitude da queda das ações da companhia, na casa de 0,4%, após valorizações no ano perto dos 30%.

Há a esperança do governo de que a disputa dos campos que serão oferecidos hoje ocorra e seja acirrada. Cinco blocos serão ofertados, com bônus de assinatura de R$ 7,8 bilhões e percentual mínimo de óleo excedente entre 26,6% e 36,9%.

O malogro do leilão causou ruídos provisórios na taxa de câmbio. O dólar subiu 2,2%, embalado também pela saída histórica recorde de US$ 8 bilhões, boa parte em portfólio, o que pode significar, ao lado da baixa participação no leilão do pré-sal, que a confiança dos investidores estrangeiros no país não é tão alta quanto o governo alardeia.

Para um governo que precisa muito de dinheiro a curto prazo, o leilão foi ruim. Excluído o pagamento à Petrobras, restam R$ 35,96 bilhões. O ministro da Economia, Paulo Guedes, prometera destinar a Estados e municípios cerca de R$ 30 bilhões, se a licitação fosse o maná que acabou não sendo. Após a divisão, sobram R$ 23,5 bilhões para a União.