O Estado de São Paulo, n. 46791, 26/11/2021. Política p.A10

 

Congresso desafia Supremo e mantém sigilo de nomes do orçamento secreto

 

Breno Pires

Daniel Weterman

Weslley Galzo

 

O Congresso redigiu um ato conjunto no qual afirma que não fará a divulgação dos nomes dos deputados e senadores que direcionaram verbas do orçamento secreto até agora e só abrirá informações sobre solicitações feitas daqui para a frente. O comunicado oficial da cúpula da Câmara e do Senado contraria decisão do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) que, há 15 dias, determinou ao Executivo e ao Legislativo dar ampla publicidade sobre a distribuição das verbas sem transparência.

Na terça-feira, o Estadão revelou uma articulação para manter sob sigilo os responsáveis pelas indicações das emendas de relator-geral do orçamento (RP9), base do orçamento secreto, que garantiu apoio político ao presidente Jair Bolsonaro.

O ato conjunto foi publicado na noite de ontem com as assinaturas dos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL).

Depois de redigirem a nota, os presidentes da Câmara e do Senado apresentaram formalmente uma petição ao Supremo Tribunal Federal (STF) para reverter a decisão da Corte que impôs transparência ao orçamento secreto.

No documento encaminhado ao gabinete da ministra-relatora Rosa Weber, Lira e Pacheco alegam “impossibilidade fática e jurídica” de cumprirem os itens da decisão da ministra que obrigam a ampla publicização dos repasses via RP-9 feitos em 2020 e 2021, assim com adoção das providências necessárias para que todas as demandas de parlamentares no períodos e posteriormente sejam registradas em plataforma centralizada de amplo acesso público.

A petição foi juntada ontem aos autos do processo, poucas horas após Pacheco se reunir com a ministra.

Entre os argumentos para manter os nomes dos parlamentares em sigilo, um dos trechos do ato conjunto das cúpulas do Congresso destaca “a não exigência e a inexistência de procedimento preestabelecido por Lei para registro formal das milhares de demandas recebidas pelo relator-geral com sugestão de alocação de recursos por parte de parlamentares, prefeitos, governadores, ministros de Estado, associações, cidadãos, formuladas no dia a dia do exercício dinâmico do mandato”.

O artigo 4.º do comunicado prevê a publicação dos nomes a partir da vigência do ato conjunto. Nada, portanto, que se refira às demandas feitas em 2020 e 2021, que estão englobadas no objeto da decisão do Supremo.

 

PROJETOPacheco disse ao Estadão/Broadcast que o princípio da transparência está atendido, apesar dos questionamentos. Além da publicação do ato conjunto, ele vai convocar uma sessão do Congresso hoje para votar um projeto de resolução regulamentando as emendas de relator a partir do Orçamento de 2022.

Na liminar que determinou a “ampla publicidade” aos documentos “que embasaram as demandas e/ou resultaram na distribuição de recursos das emendas de relator-geral (RP9)”, a ministra Rosa Weber, do Supremo, estabeleceu que os nomes dos parlamentares beneficiados devem ser divulgados, incluindo os valores que já foram pagos. Para ela, o “regramento pertinente às emendas do relator” distancia-se dos “ideais republicanos”.

Para especialistas e técnicos de órgãos de controle, o governo e o Congresso são obrigados a dar transparência a essas indicações e a todos os critérios adotados para aprovação e execução das emendas, incluindo a digital de quem indicou o recurso.

“Do contrário, seria um descumprimento à decisão do Supremo, porque não é plausível que não existam as informações”, disse o diretor da ONG Transparência Brasil, Manoel Galdino.

“A inexistência de norma infraconstitucional não afasta a existência constitucional de uso transparente dos recursos públicos”, disse o professor titular de Direito Financeiro da USP, Fernando Scaff. “Eles estão dizendo que passarão a fazer, e que não farão retroativamente. Desta forma, reconhecem a existência de irregularidade e buscarão ultrapassá-la, o que é positivo. Todavia, não adotar o mesmo procedimento para as condutas que já ocorreram torna a medida insuficiente, pois não atinge integralmente a necessária transparência e publicidade no uso dos recursos públicos. Deixa no ar a impressão de que não querem informar a sociedade sobre a origem e destino desses recursos.”

 

PLANILHA. Apesar da alegação contida no ato conjunto, a série de reportagens do Estadão tem demonstrado desde maio que o governo e a cúpula do Congresso detêm as informações sobre os beneficiados com os repasses. Uma planilha elaborada por integrantes do governo mostra 285 parlamentares como autores de solicitações de repasses com emenda de relator-geral do orçamento, que obtiveram verbas empenhadas no Ministério do Desenvolvimento Regional em dezembro de 2020.

Para manter em sigilo os parlamentares contemplados, o ato conjunto utiliza como fundamento justamente a informalidade do esquema de distribuição de repasses por meio de barganha política.

No ano de 2020, as emendas de relator-geral do orçamento de 2020, em parte, foram direcionadas atendendo pedidos individuais feitos por deputados e senadores, registrados em ofícios. Depois que o mecanismo foi revelado, porém, o Congresso concentrou os pedidos no relator-geral do orçamento de 2021, senador Márcio Bittar (PSL-AC), cortando as solicitações diretas. O dinheiro, no entanto, é distribuído pelas cúpulas da Câmara e do Senado, que acompanham em planilhas secretas o fluxo de liberação dos recursos e de parlamentares atendidos. 

 

“Deixa no ar a impressão de que não querem informar a sociedade sobre a origem e destino desses recursos.”

Fernando Scaff

Professor da USP

 

CRONOLOGIA

Decisão do Supremo suspendeu pagamentos

• Reportagem

No início de maio, o 'Estadão' revelou esquema montado pela gestão do presidente Jair Bolsonaro para ganhar apoio no Congresso por meio de um 'orçamento paralelo' de R$ 3 bilhões em emendas, parte delas para a compra de máquinas agrícolas por preços até 259% acima dos valores de referência.

 

• Superfaturamento

Em agosto, a Controladoria-Geral da União (CGU) detectou sobrepreço de até R$ 130 milhões em uma megalicitação do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), realizada em dezembro para comprar 6.240 máquinas pesadas, pelo valor global de R$ 2,89 bilhões, com recursos do orçamento secreto.

 

• R$ 1,2 bilhão

'Estadão' revela, no início de novembro, que o governo liberou R$ 1,2 bilhão de emendas do orçamento secreto na semana de votação da PEC dos Precatórios.

 

• Suspensão

Liminar da ministra Rosa Weber, do STF, suspende, no início de novembro, pagamentos do governo de Jair Bolsonaro feitos por meio do orçamento secreto. A decisão foi referendada pelo plenário da Corte por 8 votos a 2.

 

• Reação

Congresso elabora documento conjunto para descumprir decisão do Supremo.