O Estado de São Paulo, n. 46791, 26/11/2021. Política p.A14
Weslley Galzo
Uma ação que questiona a recusa do Palácio do Planalto em revelar os gastos presidenciais com o chamado cartão corporativo – impondo sigilo à informação –, está há um ano e meio parada no Tribunal Regional Federal da 3.ª Região. O pedido de transparência foi apresentado pelo Estadão, que cobra o direito de os seus jornalistas terem acesso à descrição de como o presidente Jair Bolsonaro faz uso dos recursos públicos para fins pessoais e organizacionais. O valor dos gastos é divulgado pelo Portal da Transparência, mas a explicação sobre os produtos e serviços comprados é omitida.
Decisão do Supremo de novembro de 2019 derrubou o artigo do decreto militar que garantia pouca transparência às compras do presidente, mas mesmo assim o governo mantém os dados sob sigilo, ignorando a decisão judicial.
RECUSAS. O Estadão moveu a ação contra a União em maio de 2020 após diversas recusas da Secretaria-Geral da Presidência da República a detalhar os gastos de Bolsonaro. Somente nos quatro primeiros meses do ano passado, a fatura presidencial atingiu a marca de R$ 3,76 milhões, segundo informações do Portal da Transparência. O montante representa um aumento de 98% em relação à média dos últimos cinco anos no mesmo período. Neste ano, os gastos presidenciais já somam R$ 15,26 milhões.
Apesar do interesse público do caso, o desembargador federal Nery Junior, responsável pela ação, sequer apresentou o despacho inicial para deferir ou descartar o recurso apresentado pelo Estadão, em caráter de urgência, para ter acesso imediato aos gastos com cartão corporativo. O pedido do jornal segue desde o dia 1.º de junho de 2020 paralisado na terceira turma do TRF-3.
"Um assunto de tão óbvia urgência e de tão relevante interesse público merecia do Poder Judiciário uma resposta um pouco mais célere do que um ano e seis meses, ainda que liminar (provisória)", disse o advogado do Estadão Afranio Ferreira.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estima que o tempo médio de tramitação dos processos nos Tribunais Regionais Federais é de 1 ano e 7 meses até a sentença, de acordo com o relatório "Justiça Em Números". No caso da ação do Estadão, o processo está parado na gaveta do desembargador Nery Junior há quase 1 ano e 6 meses.
O professor de processo civil Wallace Corbo, da Fundação Getulio Vargas, explica que recursos que tratam de decisões liminares, como o apresentado pelo Estadão, tendem a ser julgados no prazo de 3 a 10 meses, a depender do acervo de processos do órgão. "Considerando que é um caso de ampla relevância política, e está no centro do debate da opacidade do governo Bolsonaro, seria importante que a Justiça desse uma resposta ágil e compatível com a democracia."
PARECER. Em setembro de 2020, o Ministério Público Federal de São Paulo, em parecer à Justiça Federal, se manifestou a favor da procedência parcial da ação movida pelo Estadão, de modo que a Presidência da República levante o sigilo das informações e indique devidamente o tipo de compra, a data, o valor das transações e o CNPJ/razão social dos fornecedores.
Procurado, Nery Júnior não respondeu às perguntas encaminhadas pela reportagem.
"Um assunto de tão óbvia urgência e relevante interesse merecia do Poder Judiciário uma resposta mais célere."
Afranio Teixeira
Advogado do 'Estadão'
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O ministro Kassio Nunes Marques, presidente da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), marcou para a próxima terça-feira o julgamento que vai decidir qual instância deve julgar o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) na investigação das rachadinhas.
Na fila para julgamento há mais de um ano, o processo já foi retirado de pauta quatro vezes. O relator é o ministro Gilmar Mendes, que liberou o caso para inclusão na lista. Além de analisar a decisão da Justiça do Rio que garantiu foro privilegiado ao filho mais velho do presidente, a Segunda Turma também vai analisar um pedido do senador para arquivar a investigação. O agendamento foi feito um dia após o ministro João Otávio de Noronha, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidir que o caso das rachadinhas só avança com nova denúncia do MP. / RAYSSA MOTTA