Correio Braziliense, n. 21676, 22/07/2021. Política, p. 3

A manifestação tardia e pouco firme de Aras

Luana Patriolino


Sob pressão, o procurador-geral da República, Augusto Aras, quebrou o silêncio e se manifestou sobre os ataques ao sistema eleitoral brasileiro feitos pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) na reunião com embaixadores estrangeiros. O PGR postou um vídeo antigo, em seu canal do YouTube, no qual defende as urnas eletrônicas.

A gravação é de uma entrevista que Aras concedeu a veículos estrangeiros no último dia 11. Além desse material, ele incluiu uma nota na qual defende a “necessidade de distanciamento, independência e harmonia entre os Poderes”. “As instituições existem para intermediar e conciliar os sagrados interesses do povo, reduzindo a complexidade das relações entre governantes e governados”, diz.

Em seguida, entra um trecho da entrevista no qual Aras ressalta a “lisura” das eleições no país. “Nós não aceitamos a alegação de fraude, porque nós temos visto o sucesso da urna eletrônica, ao longo dos anos, especialmente, no que toca à lisura dos pleitos”, afirmou o PGR no vídeo. Em nenhum momento, porém, ele cita o nome de Bolsonaro.

O PGR tem sido pressionado a tomar uma atitude ante as investidas do presidente contra o sistema eleitoral. A cobrança ocorre, inclusive, dentro do Ministério Público Federal (MPF).

Na última terça-feira, um grupo de 43 procuradores federais enviou uma representação ao PGR cobrando uma investigação contra Bolsonaro. Paralelamente, mais de 30 subprocuradores emitiram uma nota pública com teor semelhante. Aras não apresentou nenhuma denúncia contra o chefe do Executivo ao longo de quase três anos de mandato. 

Na avaliação do cientista político André Rosa, há um alinhamento entre Aras e o presidente. “Ele não é publicamente um defensor do governo Bolsonaro, mas evita algumas investigações que possam colocar o governo em risco ou que possa, de certa forma, entrar na rota de colisão com o presidente”, observou.

Rosa destacou que, apesar da resistência, Aras teve de se posicionar. “Não é novidade que existe essa simetria e o apoio velado. Por isso, ele tem adotado um tom mais ameno em relação ao Planalto. Obviamente que, diante da repercussão, foi obrigado a postar um vídeo como forma de dar uma resposta.”

O cientista político Cristiano Noronha, da Arko Advice, destacou que um PGR deve trabalhar com equilíbrio. “Ele não pode, obviamente, ter uma postura de fechar os olhos, mas também não pode ser um agitador. O poder dele é muito forte”, disse.

Noronha também frisou o alinhamento de Aras com Bolsonaro. “De fato, temos visto uma certa sintonia entre a PGR e o Executivo. Aras tem papel fundamental nisso.”

Doutor em administração pública e governo pela Fundação Getulio Vargas (FGV), o cientista político Rafael Rodrigues Viegas ressaltou que Aras não está isolado na instituição. “Mesmo com essa postura criticável durante toda a gestão federal da pandemia e diversos outros acontecimentos ligados à conduta do presidente da República e demais militares no governo, Aras, recentemente, recebeu moção de apoio no CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), que contou com as principais associações de classe do MP brasileiro. Ou seja, ele não me parece isolado, longe disso”, afirmou.