Título: Mr. Opportunity
Autor: MAURO SANTAYANA
Fonte: Jornal do Brasil, 23/09/2005, País, p. A2
Salvo o ácido libelo da senadora Ideli Salvati, os parlamentares que ouviram anteontem o banqueiro Daniel Dantas se comportaram como acanhados admiradores do new tycoon. A nação assistiu, pela televisão, à expressão exata do temor que o poder do dinheiro impõe à maioria dos políticos. Não parecia que se encontrava, ali, um homem acusado de vários delitos financeiros, com seu escritório vasculhado pela Polícia, e respondendo a processos judiciais em tribunais do Brasil e do exterior. A atitude de muitos deputados e senadores, diante de Mr. Opportunity, mais se ajustaria a eventual depoimento de algum respeitável prelado da Igreja. Não vem ao caso que o brilhante aluno de Mário Simonsen tenha aprendido mal a nossa língua pátria e conjugue o verbo intervir como se fosse o verbo interver: afinal, números são números, e letras são letras. O que vem ao caso é que o privilegiado financista não necessitava de hábeas-corpus: ele estava garantido pela vassalagem que o dinheiro assegura. Como não havia grande interesse em ouvi-lo para valer, petistas e tucanos, sob o estímulo astuto do PFL, trocaram insultos, para que não se chegasse a fundo nas investigações. Tanto os defensores do governo passado como os defensores do atual governo - salvo, bem se registre, a atitude corajosa da senadora por Santa Catarina - não queriam provocar o depoente a dizer o que sabe. Os tucanos fingiram que não ouviram, quando Daniel Dantas acusou o governo passado de obrigar os fundos de pensão a negociar com os italianos a venda da rede telefônica gaúcha. Se alguém quisesse, poderia obter mais informações sobre os acordos e desacordos de Dantas com o governo de Fernando Henrique. Mas havia, para conter os governistas de hoje, as suspeitas de envolvimento de ministros do PT nas pendências de Daniel Dantas.
Houve outro momento perdido. O banqueiro explicou, do ponto de vista da especial ética de suas atividades, a entrada do Bradesco nos negócios de privatização, depois de o banco ter sido avaliador de empresas estatais durante o processo. Segundo ele, essa participação estava "no limite" da legalidade. Como se vê, ele e Ricardo Sérgio (lembram-se do "limite da irresponsabilidade", captado em grampo no BNDES?) são hábeis geômetras e fixam os limites morais nas coordenadas de seus próprios interesses.
Faltou também quem indagasse de Dantas sobre os seus negócios em Minas. Se não fosse Itamar Franco, a Cemig estaria hoje sob seu controle, como esteve antes, em sua situação de sócio especial dos investidores americanos. Ele esteve à vontade. Descobriu que poderia deixar as preocupações ao lado, e aguardar, tranqüilo, que as coisas chegassem ao fim. Só houve um momento de desconforto pessoal: quando se sentiu mal. Talvez pela primeira vez na vida tenha passado fome - mas mãos prestimosas o acudiram imediatamente. Não deu para que ele soubesse exatamente o que sentem os famintos crônicos. Dantas soube aproveitar o mal-estar: dele se valeu para pedir e obter o encerramento da reunião.
Por mais intimidados se comportassem os admiradores de Daniel Dantas, o depoimento, em suas evasivas, mostrou as fímbrias de uma conspiração de tecnocratas, políticos, banqueiros, grandes lobistas e homens de grandes negócios, durante o governo passado, para se apossar do patrimônio nacional. Em que pese a frustração desse comparecimento do financista às duas CPMIs, o país pode ter esperanças de que o processo investigatório prossiga. Se a tropa de choque que o defende não impedir a aprovação do requerimento da senadora Ideli Salvati, os parlamentares conhecerão os arquivos do Opportunity, apreendidos pela Polícia Federal e lacrados por ordem da Justiça.
É até mesmo provável que, nesses arquivos secretos, se possa saber mais por que o banqueiro foi o escolhido para coordenar todo esse processo, juntamente com Mendonça de Barros, Pérsio Arida, André de Lara Resende e Elena Landau, do qual todos se beneficiaram, uns mais, outros menos.