O Estado de São Paulo, n. 46792, 27/11/2021. Saúde p.A28

 

Variante faz Brasil barrar viajantes do Sul da África

 

Isabela Fleischmann

Identificada na África do Sul, a variante do coronavírus batizada de Ômicron pôs o mundo em alerta. A Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou a nova cepa como "de preocupação", por sua capacidade de propagação. Bolsas de Valores dos EUA, da Europa e da Ásia caíram. No Brasil, a B3 recuou 3,39%. Para tentar segurar a disseminação da cepa, diversos países fecharam seus aeroportos para voos de países do sul da África. Inicialmente, o governo brasileiro anunciou que não faria restrições, apesar de recomendação em contrário da Anvisa. No fim do dia, porém, anunciou veto a passageiros de África do Sul, Botsuana, Eswatini, Lesoto, Namíbia e Zimbábue.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu ontem uma nova cepa do coronavírus identificada na África do Sul como uma variante de preocupação (VOC, na sigla em inglês). Ela foi batizada como Ômicron e já fez vários países restringirem fronteiras, sobretudo os europeus, que vivem um novo pico da pandemia. O Brasil também já decidiu barrar passageiros vindos de seis países do sul da África, a partir da próxima segunda-feira.


Essa restrição de entrada vai valer para viajantes de África do Sul, Botsuana, Eswatini, Lesoto, Namíbia e Zimbábue. Mais cedo, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) havia recomendado ao governo brasileiro a restrição de voos desses países. Já o Ministério da Saúde emitiu uma "comunicação de risco" sobre a nova variante do coronavírus identificada como B.1.1.529 na África do Sul. No alerta, a pasta afirma que a vacinação "provavelmente" contribuirá na resposta à doença, destaca que medidas como o uso de máscara, o distanciamento social e o isolamento de casos suspeitos são "essenciais" e aponta que, até agora, nenhum caso dessa variante foi identificado no Brasil.

 

ALERTA. A líder técnica da OMS para temas da covid-19, Maria van Kerkhove, solicitou que sejam ampliados a vigilância epidemiológica e os sequenciamentos genéticos. "A variante foi detectada em um ritmo mais rápido do que em casos anteriores quanto ao número de infecções, o que pode indicar que haja uma vantagem quanto à propagação."

O cientista brasileiro Tulio de Oliveira, diretor do Centro para Resposta a Epidemias e Inovação da África do Sul (Ceri), disse que a melhor maneira de controlar a cepa é com medidas de saúde (como distanciamento social e uso de máscaras), e o lockdown é o último recurso para quando já não se tem essas medidas.

Segundo ele, a nova variante se espalha principalmente entre os mais jovens, que são os mais sociáveis. "Têm sido dias muito ocupados no front científico e estamos fazendo nosso trabalho com a maior velocidade e escrutínio de dados para tornar essa informação pública para os tomadores de decisão", disse o pesquisador.

Os casos detectados e a porcentagem de testes positivados aumentaram rapidamente nas províncias de Gauteng, a mais populosa do país, North West e Limpopo. Michelle Groome, chefe da divisão de vigilância e resposta em saúde pública, disse que as autoridades de saúde provinciais continuam em alerta máximo e estão priorizando o sequenciamento de amostras positivas.

Segundo informe do Ministério da Saúde brasileiro, com base em dados da pasta sulafricana, "existem 66 casos isolados e registrados – 58 em Gauteng; 6 em Botswana; 2 em Hong Kong (na Ásia)." Os governos da Bélgica e de Israel também anunciaram nesta sexta-feira a confirmação dos primeiros casos da nova variante dentro das suas fronteiras.

 

ANÚNCIO. A decisão da OMS ocorre um dia depois de o governo da África do Sul confirmar publicamente a circulação da variante, caracterizada por uma "constelação incomum de mutações". O comunicado fez com que ao menos outros nove países, além do Brasil, decidissem adotar restrições a viajantes, incluindo Reino Unido, Alemanha e França. Outras nações, como Cingapura, Japão e Índia, também anunciaram que vão adotar medidas e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, escreveu em sua conta no Twitter que o órgão executivo vai propor, "em coordenação próxima com Estados membros", uma interrupção emergencial das viagens aéreas da região sul do continente africano. Outros países que anunciaram restrições foram a Alemanha, Bahrein, Croácia e França. A OMS, porém, recomendou cautela na criação de novas barreiras. O ministro da Saúde da África do Sul, Mathume Joseph Phaahla, disse que as restrições de voos são "injustificadas". "Quando você encontra uma variante no país, você não sabe onde originou. Muitos desses países (que estão adotando restrições contra a África do Sul) tiveram medidas draconianas. Alguns estão com mais infecções do que a África do Sul. Isso não parece científico de jeito nenhum. Esse tipo de reação quer colocar culpa em outros países".

 

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Situação expõe urgência de uma melhor distribuição de vacinas pelo mundo

 

Pedro Hallal

 

O surgimento da nova variante na África escancara a necessidade da equidade na distribuição de vacinas contra a covid-19. É também um tapa na cara daqueles que defendem um modelo individualista, e até certo ponto egoísta, de enfrentamento da pandemia. A única maneira de vencermos a covid-19 é atuarmos coletivamente – essa é a essência da saúde pública. Em 1985, o epidemiologista inglês Geoffrey Rose publicou um texto histórico denominado "indivíduos doentes, populações doentes". No texto, ele mostra o quanto uma abordagem populacional é mais efetiva do que uma abordagem individual para "vencer" uma doença que afeta a população.

Mais de 35 anos depois, o texto de Rose é cada vez mais atual. Vacinar com dez doses um único indivíduo é muito menos efetivo para controlar a doença do que vacinar dez indivíduos com uma dose. Em outras palavras, não adianta vacinar 70% da população em alguns países de Europa, América do Norte e menos de 10% da população da África.

Isso faz com que o vírus siga circulando nos locais com baixa vacinação, facilitando o surgimento de variantes. E essas variantes rapidamente podem (e vão) se espalhar mesmo nos países com altas taxas de vacinação. Ou o mundo prioriza a equidade vacinal ou a covid-19 continuará a ser essa montanha russa por muitos anos.