Valor Econômico, v. 20, n. 4876, 08/11/2019. Política, p. A10

STF derruba prisão em 2ª instância e Lula pode sair

 Luísa Martins e Isadora Peron


O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou ontem a legalidade da prisão após condenação em segunda instância, abrindo caminho para soltar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outros presos pela Operação Lava-Jato. A maioria dos ministros entendeu que a execução antecipada da pena fere o princípio da presunção de inocência, previsto na Constituição Federal.

As solturas não serão automáticas. Os advogados precisam solicitá-las à Justiça, a quem caberá determinar a liberdade ou verificar se estão presentes os requisitos para decretar uma prisão preventiva. Tal modalidade é utilizada quando os réus representam riscos à ordem pública ou ao andamento das investigações, mesmo que ainda não tenha havido uma condenação final.

A defesa de Lula já informou que irá pedir a sua “imediata soltura” à juíza Carolina Lebbos, responsável pela execução da pena do ex-presidente em Curitiba. No meio jurídico, a expectativa é de que a solicitação seja atendida.

O placar no STF terminou em 6 a 5. O desempate coube ao presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, que aderiu à corrente dos colegas Marco Aurélio Mello (relator), Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Celso de Mello. Ficaram vencidos os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia.

Ao dar o voto de minerva, Toffoli afirmou existir uma “lenda da impunidade” em torno do entendimento da prisão apenas depois do trânsito em julgado. “Esta Casa conduziu o processo do Mensalão sem pirotecnias, e se chegou à condenação de vários parlamentares, ex-parlamentares e empresários”, lembrou.

Havia a expectativa de que ele propusesse uma tese intermediária, segundo a qual a pena só poderia ser executada depois de confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas Toffoli, sequer mencionou esta hipótese.

O presidente da Corte também defendeu a competência do Congresso para alterar a legislação. Na semana passada, ele enviou um ofício à Câmara e ao Senado propondo uma mudança na lei para evitar a prescrição de crimes - com isso, preparou o terreno para o seu voto.

Ontem, quando o julgamento foi retomado, o placar estava 4 a 3 para a constitucionalidade da prisão após sentença em segunda instância. O resultado, no entanto, virou com os votos de Gilmar, Celso de Mello e Toffoli.

Em uma fala de mais de duas horas, o decano afirmou que deve ser direcionada ao Legislativo, não ao Judiciário, a crítica de que os processos demoram muito tempo para serem concluídos.

“Poderia o legislador restringir as hipóteses dos recursos extraordinários ou dificultar sua interposição. Assim, o processo terminaria mais cedo e seria possível executar a pena antes, sobre decisões transitadas em julgado”, defendeu.

Sobre os crimes de corrupção, disse que “nenhum juiz desse tribunal discorda ou é contrário à necessidade imperiosa de combatê-los e reprimi-los com vigor, respeitada, no entanto, a garantia constitucional do devido processo legal”.

Já Gilmar, que há três anos havia sido favorável à prisão após sentença de segundo grau, mudou o seu entendimento. Ele foi o único a fazer críticas diretas à Lava-Jato. “Falei várias vezes que nós tínhamos um encontro marcado com as prisões alongadas de Curitiba”, disse. “De forma cristalina, afirmo que o fator fundamental a definir essa minha mudança foi o próprio desvirtuamento que as instâncias ordinárias passaram a perpetrar em relação à decisão do STF em 2016”.

Gilmar também foi o único a citar Lula no julgamento. Para ele, o caso do petista “contaminou” o debate. Neste momento, Toffoli o interrompeu: “É bom registrar que a força-tarefa de Curitiba, comandada pelo procurador Deltan Dallagnol, pediu progressão de regime da pena do ex-presidente Lula. Ou seja, pela própria força-tarefa de Curitiba, ele deve do regime fechado. Já não é este Supremo que estará decidindo isso”.

Para o grupo que defendia a execução antecipada da pena, a medida tinha o objetivo evitar a prescrição de crimes, e portanto, a impunidade. Juridicamente, a tese defendida foi que, como os recursos nos tribunais superiores não poderiam suspender os efeitos de uma condenação, a

prisão após sentença em segunda instância não violaria o texto constitucional.

Ontem, enquanto proferia seu voto, Cármen Lúcia sinalizou que sairia derrotada do julgamento. Ela, no entanto, aproveitou para fazer uma crítica ao atual momento de “intolerância” em relação a quem pensa diferente. “O contraditório é do direito porque é da vida. Quem gosta de unanimidade é ditadura. Democracia é plural, sempre.”