Valor Econômico, v. 20, n. 4876, 08/11/2019. Política, p. A10

De volta ao jogo, petista dará munição a discurso da direita

 Malu Delgado


A reinserção do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no cenário político deve, num primeiro momento, fortalecer mais o campo da direita bolsonarista do que o da esquerda. Solto e ativo para organizar as articulações do PT, Lula reencarna a figura de inimigo número um do presidente Jair Bolsonaro. Em contrapartida, pairam dúvidas sobre a real disposição de Lula de funcionar, nas ruas, como aglutinador de forças políticas de centro, papel que ele já exerceu no passado, ou se o petista terá como foco central a própria candidatura, atuando como antípoda de Bolsonaro em 2022.

“A polarização já está posta, mas se Lula permanecesse preso o cenário pouco se alteraria, não haveria modificação substancial. A saída dele da prisão altera todo o quadro e dá munição adicional, ao fim das contas, ao discurso de Bolsonaro e de seus aliados, de desqualificação do Supremo e das instituições, desta retórica contra a impunidade e a corrupção”, avalia o professor Cláudio Gonçalves Couto, da Escola de Admi de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV Eaesp).

“A retomada da polarização interessa ao governo Bolsonaro num momento de deterioração de prestígio e de desconfiança moral. Lula solto é o retorno do inimigo”, afirma o professor Marco Antonio Teixeira, da Eaesp-FGV.

Na mesma linha, o cientista político Carlos Melo, professor do Insper, diz que “Bolsonaro sempre precisa de um inimigo para chamar de seu e Lula é o adversário que ele quer para transformar 2022 novamente em plebiscito”.

Para o cientista político Fernando Limongi, professor titular aposentado do Departamento de Ciência Política da USP e professor da Escola de

Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, a libertação de Lula talvez tenha mais implicações institucionais do que propriamente políticas, fortalecendo ainda mais o desgaste da imagem do Supremo. “O principal talvez não seja a consequência para o Lula, mas para o próprio STF. E de fato esta consequência já está dada, independentemente da decisão final. As idas e vindas do STF e a latitude que ele assumiu para decidir o que quiser, da forma que quiser, um processo que vem de longe, acabou com a legitimidade da instituição como garantidora da Constituição. Qual Constituição? A de ontem? A de hoje? A que eu quiser que exista quando me for conveniente?”, questiona.

Limongi critica ainda o fato de o Supremo ter arrastado por tanto tempo a decisão sobre a segunda instância. O professor discorda que a liberdade de Lula possa recrudescer a polarização política no país. “Lula deixou de ser o centro da disputa. Os antipetistas e os bolsonaristas estão divididos”, afirma. Por isso, acrescenta Limongi, não haveria unidade suficiente para a direita fazer ampla mobilização nas ruas, como no passado, contra a soltura de Lula.

Já os efeitos da libertação de Lula para a centro-esquerda, segundo Cláudio Couto, não são tão óbvios e dependerão, obviamente, do comportamento que o petista estiver disposto a adotar em suas articulações. “Lula poderá se tornar um grande articulador e não ter sua própria candidatura como ponto central, mas sim a unificação da esquerda. Ainda assim, isso não será fácil”, diz Couto. A despeito do papel histórico que Lula já teve, o professor da FGV pontua que não será fácil consertar a relação com Ciro Gomes, do PDT.

“O PT carece de liderança aglutinadora, papel que Fernando Haddad não conseguiu exercer”, observa Marco Teixeira. Ele enfatiza que, hoje, “o PT não consegue mais aglutinar forças de esquerda”.

A grande incógnita, segundo Carlos Melo, é se Lula estará disposto a “incendiar o país ou a unificar seu campo”, juntando setores do MDB e do

Centrão. “Pode ser que Lula dê uma de Prestes e não seja um pote até aqui de mágoa”, diz Melo, lembrando o apoio de Luis Carlos Prestes a Getúlio, apesar de ter permanecido nove anos preso durante o governo Vargas.