O Estado de São Paulo, n. 46793, 28/11/2021. Política p.A10

 

Doria vence prévias, prega união no PSDB e pede ajuda a outros partidos

 

Ao final de um processo tumultuado, com muitas disputas internas e problemas no aplicativo de votação, o governador de São Paulo, João Doria, venceu as prévias tucanas para a escolha do pré-candidato do PSDB à Presidência. Doria obteve 53,99% dos cerca de 30 mil votos, superando o governador gaúcho Eduardo Leite (44,66%) e o ex-senador amazonense Arthur Virgílio (1,35%). Agora, Doria tentará unir o PSDB e se viabilizar como alternativa eleitoral para 2022.

Após uma disputa interna acirrada e problemas técnicos no aplicativo de votação, o governador de São Paulo, João Doria, saiu vencedor ontem das prévias para a escolha do précandidato do PSDB à Presidência em 2022. Em seu discurso após o resultado, Doria pregou a união interna do partido e pediu ajuda das demais siglas de centro para a "consolidação" de um "melhor projeto" para o Brasil. "Ninguém faz nada sozinho. Precisaremos da ajuda de todos. Da união do Brasil. Da união do PSDB. Da união com outros líderes e partidos", afirmou.

Doria obteve 53,99% dos votos, superando o governador Eduardo Leite (RS), que somou 44,66%, e o ex-senador Arthur Virgílio (AM), com 1,35%. Cerca de 30 mil tucanos votaram. O detalhamento dos votos mostra que Doria só não foi o mais votado entre os vereadores, que preferiram Leite. Os demais filiados, com cargo ou sem, deram a vitória ao governador paulista, em votações apertadas.

Entre prefeitos e vice-prefeitos, por exemplo, o placar foi de 393 a 363. Nas bancadas de deputados federais e estaduais, a diferença foi de sete votos para Doria, que somou 37. Na chamada "elite tucana" – que reúne senadores, governadores e vice e ex-presidentes do partido –, o paulista obteve 27 votos, ante 24 dados a Eduardo Leite. A maior margem do governador paulista foi entre tucanos sem mandato: 15.646 votaram em Doria e 9.387 optaram por Leite.

Diferentemente do que ocorreu no domingo passado, o aplicativo de votação funcionou sem falhas – o partido afirma ter evitado cerca de 30 milhões de tentativas de ataques virtuais ao sistema vindos do exterior.

 

PACIFICAÇÃO. Com a definição de seu nome, após semanas de embates acalorados com Leite e rusgas explícitas no partido, Doria inicia agora um trabalho de pacificação interna enquanto busca se viabilizar como alternativa eleitoral em espectro político já congestionado, com outros nomes já colocados, como o ex-juiz Sérgio Moro (Podemos), o ex-ministro Ciro Gomes (PDT), o presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD), Luiz Felipe D'Avila (Novo) e Simone Tebet (MDB) – que deve ser lançada nos próximos dias.

No discurso, Doria ressaltou que não há derrotados, afirmou que o partido foi vitorioso no processo e que estará unido na "construção de um melhor projeto para o País". Em seguida, apontou o que seria o rumo de sua eventual candidatura presidencial, o de ataques ao presidente Jair Bolsonaro, que deve se filiar nesta semana ao PL, e ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – que lideram as pesquisas de intenção de voto.

"Lula, você não terá em mim alguém complacente no debate. Fazer política pública aos mais pobres não dá a ninguém o direito de roubar", afirmou Doria. Sobre Bolsonaro, que apoiou em 2018, o tucano disse que o presidente "vendeu um sonho e entregou um pesadelo".

O governador afirmou ainda que "o tempo da corrupção, da incompetência, do negacionismo, da irresponsabilidade fiscal, da regulação da mídia e dos ataques às instituições democráticas precisa ficar para trás". "Vamos dar um basta", disse

 

FUTURO. Num gesto de pacificação interna, Leite deve ser convidado a integrar a précampanha de Doria. Ao discursar após o resultado, o governador gaúcho afirmou que o PSDB tem força política e capacidade para liderar um projeto dentro do centro democrático e furar o que chamou de "polarização inútil" (mais informações na pág. A12).

O governador de São Paulo ainda precisará ser referendado no ano que vem, em convenção nacional. Apesar das declarações de maturidade política de Leite e do clamor por união de Doria, o desafio do PSDB não é só interno. Ele deverá conversar com outras forças políticas de centro. Moro deve abrir diálogo. O entorno do governador paulista tenta convencer o ex-juiz da Lava Jato a desistir da candidatura a presidente e a disputar uma vaga no Senado. / FELIPE FRAZÃO, MARCELO DE MORAES, ADRIANA FERRAZ, JULIA AFFONSO, MARLLA SABINO E AMANDA PUPO

 

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Conflitos lançam dúvida se partido seguirá unido

 

ANÁLISE: Marco Antonio Carvalho Teixeira

 

Com início meteórico na política partidária, João Doria, no intervalo de dois anos (2016-2018), saiu da condição de prefeito de São Paulo, primeiro cargo eletivo que disputou, para a de governador, alcançando protagonismo no partido e na cena política nacional. Agora, torna-se presidenciável ao vencer as prévias do PSDB numa disputa marcada por acusações e muita tensão entre os concorrentes. A pergunta que se faz é: qual será o PSDB que vai conduzir a campanha de 2022? O conjunto de contendas que acompanham a recente trajetória de Doria lança dúvidas sobre se o PSDB marchará unido para o próximo pleito presidencial.

Eleito prefeito graças ao apoio pessoal do então governador Geraldo Alckmin, Doria passou a atuar fortemente na política partidária atropelando adversários no partido. Sua ambição já se explicitava quando, ainda prefeito, passou a ser apresentado por simpatizantes como provável presidenciável tucano em 2018, entrando em rota de conflito com Alckmin, cujo nome já era tido como certo no ninho tucano.

Doria disputou o governo com uma retórica típica das hostes bolsonaristas, além de se distanciar da campanha tucana à Presidência. No segundo turno vinculou sua imagem à de Jair Bolsonaro, de quem hoje é desafeto, lançando a aliança Bolsodoria, o que causou calafrios em tucanos históricos.

A razão de existência do grupo heterogêneo de Eduardo Leite, que unia aecistas, tucanos bolsonaristas e outros segmentos do PSDB, era ser uma frente anti-Doria. Desconfiase, inclusive, que parte desse grupo queria ver Leite vice de outro candidato, assim como tucanos bolsonaristas certamente não apoiarão Doria. O PSDB não apenas se tornou menor nos últimos anos, mas perdeu a alma que uniu o grupo em 1988.

Patinando nas pesquisas e vendo Moro se consolidar como alternativa a Bolsonaro, Doria corre o risco de fracassar como presidenciável e de ver Alckmin, seu desafeto, voltar a governar São Paulo. O capital político por ele acumulado poderá se esvair rapidamente. Caso fique sem governo e sem recursos de poder, a conta certamente cai chegar. Ter feito política eliminando companheiros de partidos e possíveis aliados deixou Doria com uma legião de inimigos. A sorte está lançada, mas é bom lembrar, em política não é sempre que se ganha.