O Estado de São Paulo, n. 46794, 29/11/2021. Política p.A8

 

Definição no PSDB cria ‘núcleo duro’ no centro com Doria, Ciro e Moro

 

 

Pedetista tem assegurado que não abre mão da disputa; unificação depende de entendimento entre governador e ex-juiz, que admitem a ideia de composição futura

 

Adriana Ferraz 

 

O fim das prévias tucanas serviu para delimitar uma espécie de núcleo duro do centro político para a disputa presidencial de 2022. Expandido por mais sete pré-candidaturas, a chamada terceira via tem agora três postulantes que trabalham efetivamente para liderar uma candidatura: Ciro Gomes (PDT), Sérgio Moro (Podemos) e João Doria (PSDB).

Ciro e o PDT têm assegurado que não abrem mão da disputa. O governador paulista e o ex-juiz da Lava Jato admitem a ideia de composição futura. Ambos, porém, esperam arregimentar apoios, demonstrando até o fim do primeiro trimestre do próximo ano que seus projetos possuem mais perspectiva de poder.

O tucano conta com uma vantagem: segue no comando do Estado mais rico do País até abril, quando, por força de lei, terá de se desincompatibilizar. Nesses quatro próximos meses, Doria pretende inaugurar estações de metrô e trechos de rodovias, anunciar investimentos internacionais, assinar novas concessões e, claro, nacionalizar ainda mais seu discurso, além de refazer pontes para atrair novos e antigos aliados.

Ao Estadão, o tucano disse que pretende conversar com outras lideranças da chamada terceira via assim que voltar de sua viagem oficial para os EUA (mais informações nesta página). "Quero me reunir, primeiro, com os outros pré-candidatos do PSDB, Eduardo Leite e Arthur Virgílio, e com o presidente do partido, Bruno Araújo. Em seguida, vou procurar os presidentes dos partidos do nosso campo para conversar", afirmou o governador.

Enquanto Doria planeja os próximos passos, Moro segue rodando o País: anunciou agendas em São Paulo, Brasília, Curitiba e Porto Alegre. Apesar de abandonar a toga para integrar o governo de Jair Bolsonaro como ministro da Justiça, ele quer se apresentar como o "novo" na política, aliando ao combate à corrupção as bandeiras de responsabilidades fiscal, ambiental e social.

Segundo representantes do Podemos, um dos focos da articulação será a busca por apoio entre os evangélicos, por meio do principal braço político do segmento, o Republicanos. Visto por adversários como o nome mais à direita desse grupo, Moro vai tentar avançar em pautas ditas conservadoras, onde Bolsonaro até agora tem falhado em cumprir parte de suas promessas.

 

POLARIZAÇÃO. Com Doria, Moro e Ciro já mais avançados sobre o eleitorado de centro, a almejada candidatura única fica mais distante. Apesar disso, o ex-tucano Luiz Felipe d'avila (Novo) disse ao Estadão que espera "espírito público" de Doria para seguir trabalhando por esse objetivo.

Ao menos nesse ponto, d'avila e Ciro têm discursos semelhantes, de que é preciso unir forças para evitar a polarização no segundo turno entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Bolsonaro. Mas o pré-candidato do PDT, nesse momento, está mais distante das conversas sobre o afunilamento do centro.

Com a entrada de Moro na disputa, a tentativa de Ciro de puxar para si partidos como o DEM e o PSL ganha um concorrente de peso. Se vingar, o futuro União Brasil (fusão das duas siglas) já virou alvo também do Podemos, além de estar na lista de Doria.

 

TEMPO. Para o presidente nacional do PSL, deputado Luciano Bivar (PE), no entanto, é preciso dar tempo ao tempo. "O que se sabe apenas é que nenhuma candidatura vai vingar sozinha." Presidente do Cidadania, Roberto Freire segue a mesma linha e disse que os nomes para 2022 estão colocados. "Resta saber é quem serão os protagonistas. A tendência é de afunilamento em torno dessas candidaturas, especialmente Doria, Moro e Ciro."

O cientista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria, afirmou que "o mercado eleitoral está muito competitivo com a entrada de Moro". "O vencedor das prévias tucanas é um dado secundário diante dos desafios estruturais que o PSDB enfrenta. Existe a janela de oportunidade para recuperar o status, mas não há sinais de que o partido aprendeu lições no pós-lava Jato. Há uma perda de identidade e uma permanente falta de coesão das lideranças nacionais frente ao governo Bolsonaro."/  COLABORARAM MARCELO DE MORAES e FELIPE FRAZÃO

 

"Quero me reunir, primeiro, com Leite e Virgílio e o presidente do PSDB. Em seguida, vou procurar os presidentes dos partidos do nosso campo para conversar"

João Doria

Pré-candidato do PSDB/

 

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Governador vai a NY enquanto aliados tentam pacificação

 

Vencedor das prévias do PSDB no sábado, o governador João Doria embarca amanhã para Nova York para uma série de agendas com autoridades norte-americanas e investidores. Enquanto isso, no Brasil, seus auxiliares trabalham na pacificação interna e articulam os próximos passos de sua pré-campanha presidencial, dentro e fora do partido.

O tucano vai acompanhado de uma comitiva de empresários, secretários e políticos, entre eles o prefeito da capital, Ricardo Nunes (MDB), segundo anunciou Doria em almoço na sexta-feira.

Além de inaugurar o quarto escritório internacional da Investsp (Agência Paulista de Promoção e Investimentos), Doria formatou a viagem para se contrapor à visita tumultuada de Jair Bolsonaro a Nova York, em setembro, durante a Assembleia Geral da ONU. Na ocasião, o presidente brasileiro, que não está vacinado, levou "bronca" do prefeito de Nova York, Bill de Blasio, e teve circulação restrita. Doria tenta consolidar sua candidatura presidencial tendo como um dos motes a contraposição a Bolsonaro.

Doria e Nunes vão se encontrar com o prefeito eleito, Eirc Adams, e um dos temas da conversa será a vacinação. Também estão previstas reunião na Goldman Sachs, visita à Nasdaq e uma partida de basquete entre NY Knicks e Chicago Bulls.

No Brasil, tucanos vão articular uma reunião entre Eduardo Leite e Doria ainda este ano para sinalizar a unidade interna. A ideia é que os dois viajem a Brasília para um encontro com as bancadas do PSDB no Congresso./ PEDRO VENCESLAU

 

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Resultado de prévias aumenta pressão sobre Aécio e Alckmin

 

AMANDA PUPO

MARLLA SABINO

 

 

A vitória de João Doria nas prévias do PSDB aumenta ainda mais a pressão política e as dúvidas sobre os próximos passos de dois ex-presidenciáveis do partido, o deputado Aécio Neves (MG) e o ex-governador Geraldo Alckmin (SP). Ambos se opuseram à candidatura governador de São Paulo e apoiaram o governador gaúcho Eduardo Leite. Derrotados internamente, agora se veem com pouco espaço de poder, às voltas com especulações de que deixarão o partido.

O PSDB concluiu suas prévias anteontem com mágoas não cicatrizadas e desentendimentos explícitos, e um cenário de "união" pregado pela direção nacional é visto como distante para integrantes da velha guarda do partido. Apesar do ambiente hostil e das cobranças por expurgo, Aécio – de quem Doria já defendeu publicamente a expulsão do partido – e seus aliados rejeitam haver intenção de debandada.

Alckmin, por sua vez, pode ter sua saída precipitada. Aliados dizem que não há mais condições de ele permanecer na legenda. O ex-governador, que foi padrinho político de Doria, vinha conversando com partidos de centro-direita, como o PSD, e até de esquerda, como o PSB, e vem sendo considerado ator importante nas disputas pelo Palácio do Planalto e pelo Palácio dos Bandeirantes.

 

FERIDAS. Embora ninguém no partido cogite hoje que Aécio atue numa eventual campanha presidencial de Doria, seus aliados calculam que o agora pré-candidato do PSDB precisará do apoio de Minas para pacificar o partido e evitar defecções até as eleições.

O deputado federal mineiro Paulo Abi-ackel, aliado de Aécio, disse que o desafio que Doria terá nos próximos meses será o de demonstrar ter "condições de liderar uma candidatura viável na terceira via". "A bola está com ele", disse o deputado, cuja ala apoiou Eduardo Leite.

Um dos temores correntes entre aliados de Doria é que seus inimigos na legenda trabalhem para que o PSDB desista de ter candidato próprio a presidente e apoie um nome de centro para representar a terceira via.

A reportagem tentou contato com Aécio e Alckmin, mas não obteve resposta até o fechamento da edição.