Valor Econômico, v. 20, n. 4877, 09/11/2019. Brasil, p. A2
Brasil abandonou América Latina, afirma Samper
Marina Guimarães
Parte da crise vivida pelos países vizinhos ao Brasil deve-se à ausência do país na articulação política da região, afirmou o ex-presidente da Colômbia e ex-secretário da União das Nações Sul-Americanas (Unasul), Ernesto Samper, em entrevista ao Valor. A maior potência regional, na visão dele, deixou de cumprir seu papel de “transatlântico que se movia de um lado para o outro para manter o equilíbrio, inclusive o ideológico”.
“Realmente, o Brasil tem feito muita falta. O país abandonou a América Latina. A prova mais cabal disso foi o voto na ONU apoiando o embargo a Cuba. Era impensável em qualquer cenário que o Brasil pudesse votar a favor de um bloqueio econômico.”
Na opinião dele, o Brasil era um ator muito poderoso, fundamental e grande articulador sul-americano. Além disso, era a ponte da região com os países africanos e o restante do Brics.
Para Samper, depois da posse do presidente eleito da Argentina, Alberto Fernández, no dia 10 de dezembro, esse papel de articulador regional pode passar a ser cumprido pelo vizinho. “Tenho uma expectativa muito favorável de que a Argentina possa rearticular a integração sul-americana e, posteriormente, a latino-americana. Creio que Fernández fez referências explícitas a esta possibilidade”, opinou.
Samper, que governou a Colômbia de 1994 a 1998, disse que as relações internas dos países vizinhos nunca foram tão marcadas por questões ideológicas como agora e que, para salvar a integração, será necessário passar por cima das ideologias.
“Não quer dizer que cada país não tenha direito de desenvolver a agenda que deseja, mas que possamos voltar a falar de política, como falávamos na Unasul, de temas como a paz e a segurança hemisférica, a continuidade democrática, a vigência dos direitos humanos.” Esses são temas políticos que, segundo ele, não deveriam distanciar os países por razões ideológicas.
Ele considera que a América do Sul nunca esteve tão ameaçada como hoje. “A região está explodindo socialmente porque estamos retrocedendo, não estamos avançando socialmente. A classe média sente que está indo para trás e a segurança em matéria de saúde e educação está sendo reduzida”, afirmou. O mais grave, diz o colombiano, é o que chama de “populismo fiscal”, que está cortando as pensões. “Isso tem nome próprio: é a proletarização da classe média.”