O Estado de São Paulo, n. 46795, 30/11/2021. Internacional p.A10

 

G-7 promete mais 1 bilhão de doses para países pobres

 

Ameaçados pelo avanço da variante Ômicron, identificada pela primeira vez na África do Sul, os ministros da Saúde do G-7 prometeram ontem reforçar a vacinação em países pobres e falaram em ampliar a ajuda à Organização Mundial da Saúde (OMS). Enquanto cientistas advertem que a extensão da ameaça ainda é uma incógnita, o presidente dos EUA, Joe Biden, afirmou que a nova cepa é "motivo para preocupação, mas não para pânico".

"No dia em que a variante foi identificada pela OMS, tomei passos importantes para restringir as viagens do sul da África. Mas sabemos que, por mais que as restrições possam reduzir a disseminação do vírus, elas não podem evitar que as novas cepas cheguem", afirmou Biden. "Mais cedo ou mais tarde veremos casos da variante aqui nos EUA."

O encontro de emergência do G-7 havia sido convocado pelo governo britânico, que ocupa a presidência do grupo. Na reunião, representantes de EUA, Reino Unido, Alemanha, França, Itália, Canadá e Japão, além da União Europeia, concordaram com a "relevância estratégica" de intensificar a imunização em países em desenvolvimento. As sete potências globais reforçaram o compromisso de doar um bilhão de doses aos países de baixa renda.

O presidente chinês, Xi Jinping, não ficou atrás e também prometeu ontem enviar à África um bilhão de doses. "Para contribuir para o cumprimento da meta estabelecida pela União Africana de vacinar 60% da população do continente até 2022, a China fornecerá à África um bilhão de doses adicionais", disse Xi. Segundo ele, serão 600 milhões em doação e 400 milhões na produção conjunta entre empresas chinesas e países africanos. Além disso, a China se comprometeu a enviar 1,5 mil médicos e especialistas em saúde pública.

 

ALERTA. Ontem, vários países anunciaram o fechamento de fronteiras, à medida que os casos de Ômicron se propagam pelo mundo. Israel, Marrocos e Japão proibiram a entrada de estrangeiros. A Suíça, que já havia vetado voos diretos de alguns países africanos, retomou a quarentena de dez dias para viajantes de vizinhos europeus, como Reino Unido, Bélgica e Holanda. O governo suíço também suspendeu a Universíada de Inverno e um encontro da OMS.

Apesar das promessas dos países do G-7, nem todas as medidas adotadas para conter o avanço da variante Ômicron são unanimidade. O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse ontem que está "profundamente preocupado com o isolamento dos países da África" diante das restrições impostas pelo aparecimento da variante. "Há muito tempo venho avisando que as baixas taxas de vacinação na África podem ser terreno fértil para novas variantes", disse Guterres.

O presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, afirmou que as proibições de viagens a seu país eram discriminatórias e sem base científica. "Isso é um distanciamento claro e completamente injustificável dos compromissos que muitos desses países assumiram no encontro do G-20, no mês passado. O veto às viagens não é guiado pela ciência, nem será eficaz em prevenir a disseminação dessa variante", disse Ramaphosa.

 

DISSEMINAÇÃO. Ontem, Escócia, Portugal, Espanha e Canadá identificaram os primeiros casos da variante Ômicron, dando pistas sobre o que o presidente sul-africano quis dizer. Autoridades alemãs registraram a infecção de um homem de 39 anos que não teve contato com nenhum estrangeiro.

Especialistas, incluindo Anthony Fauci, um dos principais conselheiros de Biden, disseram que pode levar até duas semanas para que a comunidade científica saiba mais sobre a transmissibilidade da variante e a gravidade da doença que ela causa. Até agora, os cientistas acreditam que as mutações da nova cepa permitem que o vírus se espalhe mais facilmente. Outra dúvida é se as vacinas existentes oferecem ou não proteção contra a Ômicron.

 

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Países ricos colhem o que plantaram com variante

 

ANÁLISE :  ANTHONY FAIOLA 

 

Ômicron – a variante do coronavírus com mutações preocupantes primeiramente detectada no não vacinado sul da África – chegou ao bem vacinado Ocidente. Em meio a um novo pânico global e a novas restrições a viagens, casos confirmados de infecção pela nova cepa emergiram do Reino Unido à Austrália. Se a variedade Ômicron agora se espalhar pelas capitais ocidentais com força similar à que a Delta se espalhou, os países ricos, afirmam os cientistas, estarão colhendo o que semearam.

Talvez nenhum outro momento da pandemia tenha comprovado mais verdadeiramente o mantra ignorado de que "ninguém está a salvo até que todos estejam a salvo". Novas variantes do coronavírus, afirmam especialistas, são uma consequência mortífera da desigualdade vacinal – e de um sistema internacional que tem permitido aos países ricos estocarem vacinas para si, deixando os países mais pobres e menos poderosos sobrevivendo com migalhas.

Baixos índices de vacinação também fizeram desses países potenciais campos de germinação de mutações virais capazes de se espalhar rapidamente por um mundo globalizado. Os índices de cobertura vacinal completa nos EUA, na França e na China são de 60%, 70% e 77%, respectivamente.

Compare isso com apenas 6% do 1,2 bilhão de habitantes da África.

"Nossas conquistas em nossos próprios países estão em risco em razão dos fracassos fora dos nossos países. Por causa do nacionalismo vacinal, não apenas nos EUA e na Europa, mas também na Índia e na China", disse, no fim de semana, J. Stephen Morrison, diretor do centro para política sanitária global Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais. "Se há transmissão descontrolada em grandes populações, este é o ambiente ideal para a geração de novas variantes. Na África, o índice de vacinação é de 6%. Haverá mutações."

Talvez o maior problema seja que os países ricos estão deixando para trás os mais pobres, distribuindo doses de reforço e vacinas para crianças antes que os grupos mais vulneráveis de muitos países africanos não tenham tomado nem sequer a primeira dose./ TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

É COLUNISTA. ESPECIALISTA EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS