O Estado de São Paulo, n. 46799, 04/12/2021. Política p.A10

 

Bolsonaro vira alvo de novo inquérito por associas vacina contra covid a aids

 

Weslley Galzo

 

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou ontem a abertura de mais um inquérito para investigar o presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ), o primeiro tendo como origem a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid. Desta vez, as diligências vão se concentrar em declarações falsas de Bolsonaro sobre a relação entre a vacina contra a covid-19 e o desenvolvimento do vírus da aids.

Em transmissão ao vivo pelas redes sociais, no dia 21 de outubro, 24 horas depois de o relatório da CPI da Covid ter sido lido no Senado, o presidente citou notícia falsa sobre pessoas que tomaram duas doses da vacina contra o novo coronavírus no Reino Unido e passaram a desenvolver aids.

Cientistas do mundo todo desmentiram as falas de Bolsonaro e as redes sociais Instagram, Facebook e Youtube determinaram a remoção do vídeo com aquelas declarações.

“Não há dúvidas de que as condutas noticiadas do presidente da República, no sentido de propagação de notícias fraudulentas acerca da vacinação contra o covid-19 utilizam-se do modus operandi de esquemas de divulgação em massa nas redes sociais, revelando-se imprescindível a adoção de medidas que elucidem os fatos investigados, especialmente diante da existência de uma organização criminosa”, escreveu Moraes na decisão.

 

APÓS TRÉGUA. Em seu despacho, o ministro associou as afirmações de Bolsonaro à atuação da organização criminosa que é alvo do inquérito das fake news, também em tramitação no Supremo. Trata-se da quinta investigação contra Bolsonaro na Corte desde que ele assumiu a Presidência, em 2019. É, porém, o primeiro inquérito desde que o ex-presidente Michel Temer mediou uma trégua entre o Palácio do Planalto e o Supremo, em setembro.

A investigação foi instaurada a pedido do senador Alessandro Vieira (Cidadania-se), integrante da CPI da Covid. Vieira encaminhou o requerimento ao Supremo solicitando à Corte que averiguasse as declarações do presidente sobre os efeitos da vacina para combater o coronavírus porque, na sua avaliação, faziam parte de “contexto bastante mais amplo de sucessivas e reiteradas manifestações criminosas”.

Ao autorizar o inquérito, Moraes também passou uma descompostura no procurador-geral da República, Augusto Aras, que apenas abriu investigações preliminares contra Bolsonaro, sob o argumento de que exigências feitas pelos senadores não seriam cabíveis com o objetivo da CPI.

A Procuradoria-geral chegou a investigar de forma preliminar uma notícia-crime apresentada pelo PDT e PSOL sobre a live do presidente, mas recusou a abertura de inquérito. Para Moraes, a atuação de Aras “não se revela consonante com a ordem constitucional vigente” no País.

“(...) Não basta ao órgão ministerial que atua perante a Corte, no caso, a Procuradoria-geral da República, a mera alegação de que os fatos já estão sendo apurados internamente”, escreveu Moraes em seu despacho. “Para que a supervisão judicial ocorra de modo efetivo e abrangente – inclusive em relação a futuro arquivamento e incidência do artigo 18 do CPP – é indispensável que sejam informados e apresentados no âmbito do procedimento que aqui tramita, documentos que apontem em quais circunstâncias as investigações estão sendo conduzidas, com a indicação das apurações preliminares e eventuais diligências que já foram e serão realizadas.”

 

CPI. Antes de ser convertida em inquérito, a ação no Supremo também analisava o pedido do presidente da CPI da Covid, senador Omar Aziz (PSDAM), para instaurar uma investigação policial contra o presidente. A sindicância teria o intuito de avançar nas apurações dos crimes apontados pelo relatório final da comissão, assim como garantir a aplicação de medidas cautelares na esfera penal e suspender suas redes sociais. No dia anterior à live que relacionou a vacina à aids, a CPI havia apresentado o pedido de indiciamento de Bolsonaro por 11 crimes relacionados às suas ações no enfrentamento da pandemia.

A CPI chegou a aprovar a quebra do sigilo telemático de Bolsonaro, com o propósito de reunir provas de eventuais crimes cometidos contra a saúde pública. A manobra foi suspensa por Moraes, sob o argumento de que as ações adotadas pelos senadores “distanciaram-se do seu caráter instrumental” por extrapolarem “os limites constitucionais investigatórios de que é dotada a CPI ao aprovar requerimento de quebra e transmissão de sigilo telemático”.