O Globo, n. 32659, 06/01/2023. Brasil, p. 9

Câmeras e ações

Paula Ferreira
Karolini Bandeira
Gustavo Schmitt
Bruno Alfano


Três ministérios foram escalados para promover a redução dos índices de mortes de jovens negros, uma das preocupações do novo governo: Justiça e Segurança Pública, Igualdade Racial e Direitos Humanos. Entre as propostas analisadas pelo governo estão o incentivo ao uso de câmeras em carros e fardas policiais, a revisão da formação de agentes e a sugestão de novos protocolos de abordagem pelas forças de segurança.

Segundo o último Anuário Brasileiro de Segurança Pública, de 2022, pretos e pardos somam 77,6% das mortes por causas violentas, ante 21,7% de vítimas brancas. A classificação engloba homicídio doloso, latrocínio e lesão corporal seguida de morte. Do total de mortes violentas no período, 12,9% aconteceram em ações policiais.

Ao GLOBO, o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, disse que as pastas terão uma reunião nas próximas semanas para definir um grupo de trabalho interministerial, e o governo ouvirá pesquisadores e movimentos sociais para colaborar com o “plano de combate ao extermínio da juventude negra”.

— A união entre os ministérios será essencial para que as elaborações mais modernas e aquelas que, de alguma forma, já demonstraram resultados em experiências locais, nacionais e internacionais, possam se colocar à serviço da redução da mortalidade da juventude negra —disse.

A ampliação do uso de câmeras portáteis nos uniformes e carros é uma possibilidade considerada pelo Ministério da Justiça.

— Reduzir a letalidade policial passa por apoio à capacitação e formação dos agentes e o uso de instrumentos que impeçam o uso abusivo da força, como políticas de instalação de câmeras no fardamento. Essa é uma das políticas que a gente pretende avaliar, analisar e incentivar — afirmou ao GLOBO o secretário de Acesso à Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Marivaldo Pereira.

O debate no governo federal sobre as câmeras está no início. Mas Almeida já teve de defender ontem à noite a permanência do procedimento em São Paulo, diante da proposta de revisão do programa no estado, feita nesta semana pelo novo secretário de Segurança, Guilherme Derrite.

“O sucesso dessa política, demonstrado pela ciência, faz com que ela não apenas tenha que ser reforçada e ampliada nas regiões em que é aplicada, mas que seja estendida a todo o Brasil.”, declarou Almeida, em nota divulgada nas redes sociais.

A revisão foi defendida por Derrite na quarta-feira, em entrevista a uma rádio no interior do estado.

— (Em relação) àquilo que não está sendo bom, e que pode ser comprovado cientificamente que não é bom, e por isso a importância de analisar esse estudo da Fundação

Getúlio Vargas, a gente vai propor ao governador possíveis alterações — disse Derrite à Rádio Cruzeiro, referindo-se a um estudo da FGV no ano passado que apontou que as câmeras evitaram 104 mortes, número equivalente a uma redução de 57% em relação ao período anterior em que a medida entrou em vigor.

Em coletiva na tarde de ontem, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), disse que inicialmente não fará mudanças no programa. Mas não descartou reavaliar a política no futuro.

— Nesse primeiro momento, nada muda. Vamos tocar o projeto da câmera, já que o programa tem trazido percepção de segurança para segmentos da sociedade que são mais vulneráveis. Ao longo do tempo, vamos observar e reavaliar a política, como (é feito com) qualquer outra —afirmou.

Procuradores do Ministério Público estadual também criticaram Derrite ontem. Em um manifesto, quatro deles alertam que a supressão das câmeras e a eventual redução do programa Olho Vivo, de implantação do equipamento, poderão ser interpretadas como uma “licença para matar”.

Reconhecimento facial

Outra discussão no radar do governo federal é o aprimoramento do reconhecimento pessoal de suspeitos de crimes. Estudos mostram que a maioria das pessoas reconhecidas equivocadamente por testemunhas ou vítimas é negra. No mês passado, o Conselho Nacional de Justiça aprovou uma resolução com parâmetros para o procedimento, como a orientação de que o reconhecimento de um suspeito de cometer um crime seja feito preferencialmente ao vivo, com alinhamento de quatro pessoas. Caso não seja possível, a polícia deve apresentar quatro fotografias. Além disso, todo o procedimento deve ser gravado.

A falta de acesso à Justiça também é vista como um dos pilares responsáveis pelos altos índices de violência contra a população negra.

Por isso, uma das prioridades do governo será fortalecer as defensorias públicas.

— Muitas dessas famílias negras não conseguem chegar na porta de entrada da Justiça, que é a Defensoria. Fortalecer os núcleos da Defensoria Pública, que estão diretamente relacionados à defesa de direitos sociais básicos, é essencial para que a gente consiga reduzir a mortalidade da população negra no nosso país — afirma Pereira.

Uma das integrantes do grupo de trabalho da transição na área de Igualdade Racial e representante do Movimento Negro Unificado, Iêda Leal afirma que o novo governo deve estar atento à criação de condições melhores de vida para a população negra:

— A criação de programas para o acolhimento e empoderamento das mulheres negras é fundamental.

O Ministério da Igualdade Racial informou que planeja uma nova configuração do antigo programa Juventude Viva, atuando com outros ministérios.